segunda-feira, 1 de junho de 2015

Regulamentos Administrativos


O Regulamento Administrativo caracteriza-se por ser um acto positivo, imaterial e unilateral de órgão da Administração Pública, que se encontra regido pelas normas de Direito Público, visando produzir efeitos jurídicos através de um acto normativo de características gerais e abstractas. Não se encontrando sob o conceito material de Lei por não estar abrangido pelo regime de tipicidade dos actos legislativos previsto no Nº1 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.

Os regulamentos administrativos estão vinculados ao princípio da legalidade, como consequência da preferência de lei, são proibidos os regulamentos delegados, conforme o Nº 5 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, o que resulta na invalidade do regulamento. No entanto é permitida a degradação hierárquica de uma matéria constante em forma de lei para a forma de regulamento, salvaguardando a existência de norma habilitante para o efeito e não se tratar de matérias sujeitas a reserva legislativa, sendo esse processo denominado de deslegalização.  
Como consequência da preferência de lei há que referir que a criação de uma lei posterior legislando sobre a mesma matéria revoga o regulamento, assim como, excepto se o contrário especificado, a revogação da lei habilitante resulta na revogação por caducidade do regulamento.

A aplicação judicial de regulamentos ilegais não é possível por força do disposto no Artigo 204ª da Constituição da República Portuguesa, sendo passiveis de impugnação contenciosa ou de ilegalidade com base no Nº2 do Artigo 73ª e nos Artigos 72º e 76º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e do Nº 5 do Artigo 268ª da Constituição da República Portuguesa.
Para a elaboração de um regulamento é necessária a lei habilitante, sendo varável o grau de densidade normativa, sendo que são proibidos regulamentos retroactivos. Para a existência de retroactividade seria necessária uma habilitação específica.

Conforme previsto no Artigo 241º da Constituição da República Portuguesa, os regulamentos encontram-se hierarquizados, sendo essa hierarquia estabelecida por 3 critérios:
            Órgão emissor: prevalece o órgão de posição hierárquica superior, pela
            ordem de Governo, órgãos supraordenados e órgãos infraordenados;
            Âmbito geográfico: prevalece a Pessoa Colectiva com maior abrangência
            geográfica;
            Forma: prevalece o regulamento com a forma mais solene.
Apesar do estabelecimento de método de hierarquização dos regulamentos, o regime não é absoluto, sendo de considerar a conjugação dos critérios de maior relevância e diferenciar que critério melhor se aplica para a questão a analisar.

Apesar da sua função inovatória, que resulta numa dinamização global da ordem jurídica, os regulamentos administrativos são ferramentas de execução e complementariedade das leis. Isto advem do facto de o órgão legislador habilitar a entidade reguladora a executar a lei inicial e complementar eventuais lacunas e aspectos de pormenor de execução que não se enquadrariam na letra da lei a regular, dando maior latitude de acção para o órgão regulador definir com maior exactidão os apectos de pormenor.

É possível diferenciar os regulamentos administrativos relativamente ao âmbito da sua eficácia, o que leva a diferenciar entre regulamentos internos e externos. Os regulamentos internos, referem-se à organização e funcionamento da Pessoa Colectiva a que pertence o órgão que os emana, carecendo de eficácia externa, logo não sendo abrangido pelo regime estatuído pelos Artigos 115º a 118º do Código de Procedimento Administrativo, levando a que o seu modo de produção carece de formalismo previsto. Relativamente aos regulamentos administrativos com eficácia externa, que produzem efeitos jurídicos fora da Pessoa Colectiva do órgão que os emana, são classificados como externos e o seu regime está previsto nos Artigos 115º a 118º do Código de Procedimento Administrativo.

Dos regulamentos com eficácia externa, ou regulamentos externos, carece considerar quanto ao procedimento administrativo regulamentar, relativo à elaboração e aprovação do regulamento.
O procedimento de abertura do processo regulamentar pode ter o seu início em iniciativa privada, através de petição, conforme o Artigo 115º do Código de Procedimento Administrativo, ou iniciativa pública, conforme o Artigo 54º do mesmo Código.
A fase de preparação do projecto de regulamento é uma fase desformalizada que se assemelha à fase de instrução do acto administrativo, onde estão previstas as diligências administrativas, nos Artigos 86º a 97º do Código do Procedimento Administrativo, e a nota justificativa fundamentada, prevista no Artigo 116º do mesmo Código.
A participação dos interessados é feita em audiência e apreciação pública, conforme previsto no Artigo 117º do Código do Procedimento Administrativo, mediante a expressão de opinião por qualquer interessado, conforme o Artigo 103º do mesmo Código. De salientar que a modificação essencial do carácter do regulamento conduz a uma nova audiência ou apreciação pública, dependendo da forma inicial.
O processo é concluído com a aprovação do regulamento, através de decisão ou deliberação, ou da não aprovação do regulamento resulta no arquivamento da petição.

Em termos de requisitos de legalidade dos regulamentos, podem ser divididos em requisitos objectivos e subjectivos. Os requisitos subjectivos resumem-se à determinação da competência e idoneidade do autor, enquanto na componente objectiva são apreciados requisitos de natureza material, formal e funcional.
Em termos de requisitos objectivos materiais é necessário ter em consideração o conteúdo e pressupostos de facto e de direito, considerando em termos de possibilidade e inteligibilidade, garantindo que não se trata de matéria de reserva de lei nem contrariara o bloco de legalidade.
Em termos de requisitos objectivos formais é necessário ter em conta a forma exigida pela Constituição da República Portuguesa e pela lei, o cumprimento das formalidades prévias de audiência de interessados, consulta pública e nota justificativa, havendo necessidade de indicação da lei regulamentar ou da lei definidora da competência para a sua emissão, sendo proibidas as revogações tácitas, visto que os regulamentos têm de indicar expressamente as normas que revogam, conforme o Nº2 do Artigo 119º do Código do Procedimento Administrativo, assim como o cumprimento do prazo, conforme estabelecido analogamente pelo Artigo 58º do CPA, sendo que o seu incumprimento implica inconstitucionalidade formal, prevista pelo Nº7 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.
Em termos de requisitos objectivos funcionais é necessário ter em consideração o interesse público definido por lei, assim como o respeito pelo princípio da proporcionalidade na ponderação de todos os interesses públicos relevantes.

Relativamente aos vícios de desvalores aplicados aos regulamentos administrativos é necessário ter em consideração que os regulamentos ilegais têm como desvalor a sua invalidade.
Da inconstitucionalidade do regulamento resulta na sua nulidade, assim como da violação da lei resulta do Nº5 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, igualmente na nulidade do regulamento.
Da violação de parâmetros infralegais da actividade administrativa, apenas é admitida a nulidade conforme expresso no Nº1 do Artigo 137º do Código do Procedimento Administrativo.
Da preterição de uma formalidade de carácter meramente interno, a nulidade seria um efeito claramente desproporcional, para uma situação de mera irregularidade, o que resulta de haja produção dos efeitos jurídicos pretendidos mas podendo haver consequências disciplinares.
A produção de efeitos jurídicos só ocorre depois do conhecimento pelos destinatários, recorrendo-se à publicação em Diário de República ou a publicidade. Como requisito negativo de eficácia, existe a ausência de suspensão, quer seja pela eficácia suspensiva administrativa, conforme Nº1 do Artigo 119º do Código do Procedimento Administrativo, quer seja pela eficácia suspensiva jurisdicional, conforme Artigo 130º do mesmo Código.
Relativamente aos regulamentos internos, o requisito mínimo de eficácia é a garantia de possibilidade de conhecimento pelos destinatários.

A cessação da vigência dos regulamentos dá-se por uma de três formas: por revogação, derivada de superveniência de uma lei ou regulamento de nível hierárquico superior; por caducidade, via superveniência de um facto ou por declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, jurisdicional ou administrativa, conforme os Artigo 72º e 76º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

Elaborado por: Pedro Vieira, n.º 24730

Breve análise da evolução comparativa dos sistemas administrativos Anglo-Saxónico e Romano-Germânico


Antes da análise dos sistemas em específico, vamos iniciar com uma breve distinção histórica dos tipos de Estado, focando na sua evolução europeia em particular, dividindo em 4 grandes grupos:

- Estado Pré-Constitucional: após a queda do Império Romano, a Europa foi dominada pelo Feudalismo da Idade Média, no qual a Administração Pública era residual e incipiente, reduzida à capacidade de cobrança de impostos e manutenção da capacidade bélica do Estado. As necessidades colectivas eram essencialmente mantidas pela estrutura religiosa cristã (residual da organização do Império Romano).
A evolução do Feudalismo foi no sentido do Absolutismo e do Estado de Polícia, caracterizados por uma contínua e crescente concentração de poderes na figura do monarca.

- Estado Liberal: o crescente descontentamento das populações face à indiferença social que caracterizou o Absolutismo levou a grandes convulsões sociais que redundaram nas Revoluções Liberais e no triunfo do Liberalismo, do qual podemos enunciar as duas principais correntes: a do princípio da separação dos poderes em sentido rígido, conforme enunciada por Montesquieu; e da soberania popular defendida por Rosseau. Em ambas o Direito surge como limite dos poderes públicos, sendo o princípio da legalidade o limite e o fundamento da actividade administrativa.

- Estado Social: decorrente da Primeira Guerra Mundial é possível contar como uma das baixas o conceito da sociedade auto-regulada criado pelo optimismo liberal. Surge um novo conceito de Administração Pública, com novas tarefas e áreas de acção, passando de uma Administração agressiva para uma Administração de cariz essencialmente prestacional. A rigidez do princípio da separação de poderes passa a ser encarada como um conceito flexível, com evolução histórico-temporal. É adoptado um novo conceito de legalidade, no qual todos os elementos normativos limitam a actividade administrativa, passando para a esfera da função jurisdicional o controlo jurídico da actividade administrativa pública.
No Estado Social de Direito é possível individualizar o conceito de Estado-Providência que tem como objectivo ir para além da garantia dos patamares mínimos de bem-estar através de uma intervenção directa do Estado.
Em consequência das diferentes crises que flagelaram o início do século XXI, e consequente diminuição da capacidade de intervenção dos Estados levando ao Estado Social Pós-Providência que se caracteriza essencialmente pelo seu cariz de administração infra-estrutural.
- Estados de Não-Direito: em consequência da crise do Estado Liberal, e contemporaneamente ao Estado Social, surgem novas ideologias, que apesar de diametralmente opostas no espectro político, mostram partilhar de traços de anti-liberalismo, anti-democracia e totalitarismo. Dos quais podemos referir o Estado Socialista (caracterizado pela apropriação colectiva dos meios de produção e pelo desaparecimento de considerável parte das liberdades individuais, levando a um expoente máximo da Administração Pública em que o Estado é produtor e consumidor) e o Estado Fascista (caracterizado por ser um regime político dictorial em que as liberdades individuais são postas em causa por uma Administração Pública com uma esfera de acção muito mais ampla em termos de agressividade e prestação).


Da evolução histórica do conceito de Direito Administrativo

Com a Revolução Francesa, e instauração do modelo de Estado Liberal, podemos afirmar que existe o surgimento do Direito Administrativo Moderno. No âmbito da consagração do princípio da separação de poderes, os tribunais comuns são excluídos do julgamento da Administração Pública, surgindo assim uma situação de contrassenso em que a Administração julgava a própria Administração.
Esta situação do sistema francês não ocorria no sistema britânico, pois a acção da Administração estava sujeita ao Commom Law.
Com Bonaparte ocorreram alterações de forma a terminar com o administrador juiz, no entanto, mantinha-se a situação de promiscuidade de Administração a julgar Administração, uma vez que os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de homologação pela Governo. Apesar da evolução posterior para a dispensa da necessidade e homologação dos pareceres do Conselho de Estado, o mesmo mantém a situação de um órgão administrativo a julgar a Administração.
A situação de promiscuidade entre a Administração e a Justiça manteve-se em França até aos finais do século XIX, início do século XX, até ao acórdão de Agnes Branco, momento considerado como a base jurisprudencial da autonomização do Direito Administrativo.
No Reino Unido o sistema liberal é implementado de forma diferente, estabelecendo um regime em que é dispensada a ideia de superioridade dos poderes, colocando sobre a alçada dos tribunais o contencioso administrativo, resultando num sistema de administração judiciária, no qual a Administração Pública actua de acordo com a Commom Law.
A evolução e surgimento para o Estado Social altera o paradigma do conceito de Estado, com o seu enfoque no âmbito económico e social, tornando a função administrativa na função primordial do Estado, o que se reflecte num aumento da Administração Pública e uma alteração de uma posição agressiva para uma posição de prestação de serviços, de intervenção na vida dos cidadãos com vista à satisfação das necessidades colectivas.
Essas alterações levaram à multiplicidade da actuação da Administração, para além do acto administrativo e alterando-o para uma posição de submissão legal e de respeito dos interesses dos particulares, com uma redução do seu factor coactivo.
No direito francês a divisão do Conselho de Estado, no final do século XIX, numa secção administrativa e outra jurisdicional, veio dar uma crescente autonomia à secção contenciosa que foi reconhecida como verdadeiro tribunal na década de 80.
A evolução do modelo administrativo anglo-saxónico foi inversa, com a criação de órgãos com poderes de autotutela no âmbito do Direito Administrativo, autoridades independentes com poder de decisão sem sujeição a controlo jurisdicional, o que cria uma aproximação dos sistemas por via de movimentos de sentidos contrários.
Com os efeitos das crises da década de 60, e consequente surgimento do Estado Pós-Social, o Estado assume funções de regulação em detrimento da prestação de serviços, o que resulta numa crescente preocupação para a criação de condições para a prestação de serviços por outras entidades, o que acrescenta um factor de multilateralidade nas relações jurídicas administrativas.
A evolução do Direito Administrativo levou a uma constitucionalização da justiça administrativa, levando à integração dos tribunais administrativo na esfera judicial e à consagração constitucional de direitos dos particulares que prevalecem face à Administração. Com o processo de integração europeia, ocorre um fenómeno supranacional de institucionalização de Direito Administrativo Europeu, em sede do Direito da União Europeia, o que leva a prever à formação de Direito Administrativo Global (ou tendencialmente global).
Do Direito Administrativo Europeu, podemos ver a tendência de criação de um sistema híbrido em que são conjugados os princípios vigentes e comuns do sistema anglo-saxónico (sistema de administração judiciária) e do sistema romano-germânico (sistema de administração executiva), havendo uma conjugação dos princípios da legalidade e produção legislativa com as tendências de forte vinculação jurisprudencial, que fazem prever um movimento de comunhão, expectativamente, do melhor dos dois sistemas.
                                                                                                              

Elaborado por: Pedro Vieiria, n.º 24730                   


Acto Administrativo


Acto Administrativo – é um acto jurídico voluntário, unilateral, podendo ser bilateral, que visa a produção de efeitos jurídicos, correspondendo ao exercício da função administrativa e de uma competência legal.

Os actos administrativos não representam a função técnica, as operações materiais, nem a práctica de actos meramente involuntários.

A unilateralidade dos actos administrativos implica que os mesmos não se dependem da concordância de terceiros para garantir a sua validade e perfeição. A necessidade de audiência prévia ou consulta pública não afecta a unilateralidade dos actos em virtude da ausência de vinculação da pronúncia para a decisão final.

A ausência de produção de efeitos jurídicos não releva para a validade do acto, como é exemplo um acto que necessite da aceitação de terceiro para ser eficaz, ou actos sujeitos a condições suspensivas. No entanto, a classificação de um acto jurídico como acto administrativo necessita da verificação dos requisitos de validade.
Apesar do previsto no Artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo, de que os actos administrativos visam a produção de efeitos jurídicos externos, existem actos administrativos de efeitos meramente interno, o que não o invalida nem inibe a produção de efeitos.

O exercício da função administrativa não obriga a que os actos administrativos sejam praticados por órgãos pertencentes à Administração Pública, visto existirem entidades que não pertencem no sentido orgânico mas que exercem funções administrativas, e, consequentemente, praticam actos administrativos.

Apesar do carácter decisório dos actos administrativos, é necessário debater a questão dos pareceres de carácter vinculativo, se os mesmos tiverem um carácter obrigatório definido por lei, vão definir o sentido da decisão, logo vão ter um teor decisório e não meramente opinativo.

Apesar do carácter individual e concreto do acto administrativo, no que se refere aos seus destinatários e à situação em que se aplica, o mesmo não se aplica para os regulamentos administrativos, visto terem carácter geral e abstracto.




Esquema de Classificação dos Actos Administrativos

Relativamente ao Autor: 
            Decisões: praticados por órgãos singulares;
            Deliberações: praticados por órgãos colegiais; 
            Simples: produzidos por um único órgão;
            Complexos: quando são produzidos por 2 ou mais órgãos.

Relativamente aos Destinatários:
Singulares: com um único destinatário;
Plurais: com 2 ou mais destinatários;
Colectivos: para um conjunto unificado de destinatários;
Gerais: para todos os destinatários de um grupo inorgânico;
Bipolares: assentam numa relação bilateral entre o órgão emissor do acto e o seu destinatário e produzem efeitos apenas em relação ao destinatário;
Multipolares: assentam em relações jurídicas multilaterais e afetam os respetivos destinatários e terceiros. 

Relativamente ao Objecto: 

Primários: incidem pela primeira vez sobre uma situação;
Secundários: incidem sobre um ato administrativo anterior.

Relativamente ao Conteúdo: 
 
Positivos: introduzem os efeitos jurídicos pretendidos ou solicitados;
Negativos: não introduzem os efeitos jurídicos pretendidos ou solicitados.

Declarativos: comprovam situações jurídicas existentes;
Constitutivos: criam, modificam ou extinguem situações jurídicas existentes.
                       
Verificativos: reconhecem factos ou a existência de situações jurídicas;
Determinativos: impõem uma acção, omissão ou que se suporte algo e/ou aplicam, ou a uma coisa, uma determinada classificação;
Permissivos: facultam o exercício de uma atividade que de outro modo não seria consentida ou possibilitam a omissão de uma conduta que de outro modo seria imposta;
Atributivos: conferem um estatuto ou o direito a uma prestação administrativa que não se esgota na sua própria emissão.

Relativamente à Colaboração: 

Independentes: emitidos sem necessidade de solicitação por um particular e não estão dependentes da aceitação deste como condição da sua eficácia;
Carecidos: subdividem-se em duas categorias:
Dependentes de iniciativa particular: só podem ser emitidos após ser solicitada a acção por um particular legitimado; 
Sujeitos a aceitação dos destinatários: dependem da aceitação dos destinatários para produzirem efeitos jurídicos. 

Relativamente aos Efeitos: 

Internos: produzem efeitos exclusivamente na esfera da pessoa do seu autor;
         Externos: produzem efeitos para além da esfera da pessoa do autor.

Favoráveis: com efeitos vantajosos para as pessoas cujas esferas são
afetadas;
Desfavoráveis: com efeitos desvantajosos para as pessoas cujas esferas são afetadas.

Exequíveis: carecem de uma atividade complementar de execução;
Inexequíveis: dispensam qualquer execução subsequente.

Lesivos: afectam as posições jurídicas dos visados; 
Não lesivos: são integralmente favoráveis para todos os visados.

Relativamente à Função: 

Preparatórios: antecedem uma resolução final e servem para a criação das condições para o seu cumprimento; 
Decisórios: substanciam a resolução final e terminam o procedimento;
Execução: põe em prática o conteúdo dos actos decisórios;  
         Dispositivos: resultam do exercício da competência dispositiva;
Revisivos: os que resultam do exercício de uma competência revisiva, incidem sobre uma prévia conduta administrativa;
         Pressupostos: dos quais depende a prática posterior de outros actos; 
         Consequentes: praticados em virtude de actos anteriores.




Em resumo:

Actos Administrativos  
            
                                    Autor              Decisões
                                                           Deliberações
                                                           Simples
                                                                    Complexos

                                    Destinatário     Singulares
                                                           Plurais
                                                           Colectivos
                                                           Gerais
                                                           Bipolares
                                                           Multipolares

                                    Objecto           Primários
                                                           Secundários

                                    Conteúdo         Positivos
                                                           Negativos
                                                           Declarativos
                                                           Constitutivos
                                                           Verificativos
                                                           Determinativos
                                                           Permissivos
                                                           Atributivos

                                    Colaboração    Independentes
                                                           Carecidos     Iniciativa Particular
                                                                                       Aceitação Destinatário

                                    Efeitos            Internos
                                                           Externos
                                                                    Favoráveis
                                                           Desfavoráveis
                                                           Exequíveis
                                                           Inexequíveis
                                                           Lesivos
                                                           Não Lesivos

                                    Função            Preparatórios
                                                           Decisórios
                                                           Execução
                                                           Dispositivos
                                                           Revisivos
                                                           Pressupostos
                                                           Consequentes    


Elaborado por: Pedro Vieira, n.º 24730

domingo, 31 de maio de 2015

Acórdão - Simulação de Julgamento

Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa
Processo: 001/2015

Ação administrativa especial de impugnação de Regulamento e Ato Administrativos

Coletivo de Juízes:
- João Couto
- Luís Godinho
- Luís João
- Nélson Chicomba
- Paulino Morais
- Pedro Vieira
- Rafael Lima
- Sónia Fernandes

Autores:
- Feliciano Yanaqué, casado, residente na cidade de Piura, no Perú
- Associação dos Hotéis Históricos de Lisboa, Associação
- Associação dos Restaurantes e Tascas Finas de Lisboa, Associação

Réu:
- Câmara Municipal de Lisboa, com sede nos Paços do Concelho, Praça do Município, 1149-014 Lisboa.

Os Autores, em síntese, ao abrigo do disposto do Nº 2 do Artigo 46º e do Nº1 do artigo 51º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) intentam contra o Réu. Os Autores consideram que têm legitimidade para intentar a ação em apreço, ao abrigo dos Nº 1 e 2 do Artigo 58º do CPTA. Intervirão neste processo, como partes interessadas, as Associações dos Hotéis Históricos de Lisboa e dos Restaurantes e Tascas Finas de Lisboa, ao abrigo do Nº 2 do Artigo 9º e do Artigo 55º do CPTA. Alegam os Autores:

1          Cobrança indevida de uma taxa de um euro no aeroporto de Lisboa. Aquando do primeiro ato de cobrança da taxa de entrada no município de Lisboa no montante de um euro, Feliciano Yanaqué pisou o chão do aeroporto de Lisboa, mas não obteve contrapartida com o pagamento da mesma, não usufruindo de um serviço prestado pois não passou mais do que uns minutos no município de Lisboa, partindo logo para Fátima. Sendo que o Aeroporto Internacional de Lisboa não passa de um mero local de entrada/saída, não pode haver uma imposição coercitiva a título de Taxa Municipal Turística, fixada por um dos Municípios onde, espacialmente, se situa o Aeroporto.

2          Cobrança indevida de uma taxa de cinco euros por 5 dias de estadia na cidade de Lisboa. Quanto ao segundo ato, a cobrança de uma taxa de alojamento de cinco euros, apesar de Feliciano Yanaqué ter ficado hospedado por 5 dias num hotel na cidade de Lisboa, não lhe parece ser aceitável conforme os argumentos apresentados no ponto 1.

3          Violação do princípio da proporcionalidade nos termos do Artigo 18º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) pela taxa não se mostrar necessária nem sequer adequada ao fim a que se destina. Não havendo adequação da aplicação da taxa de entrada ao fim que a mesma pretende atingir, é nula por violação do princípio da proporcionalidade de acordo com o Nº1 do Artigo 143º e pelo Nº1 do Artigo 144.º do CPA. Com base no Nº 2 do Artigo 266º da CRP estamos perante uma violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, por haver uma afetação excessiva da atividade turística, não sendo razoável a criação de uma taxa sobre uma contrapartida já refletida no preço cobrado pela sua estadia. Afigura-se como ilegítima e desproporcional a imposição de uma taxa de entrada na cidade de Lisboa, na medida em que não haja intenção de permanecer no município de Lisboa, o que desqualifica os fundamentos implícitos à criação da taxa de contribuição na preservação, manutenção e desenvolvimento da cidade e pelo usufruto das ofertas e espaços públicos.

4          Violação do princípio da igualdade nos termos do Artigo 13º CRP e do Artigo 6º do CPA no sentido de haver uma discriminação na aplicação destes tributos. A Câmara Municipal de Lisboa liquidou e cobrou uma imposição monetária, que, assente em razões de equidade, deveria ser distribuída por todos os Municípios onde o cidadão não nacional se deslocasse e permanecesse. A taxa imposta pelo município de Lisboa viola o princípio da igualdade imposto no Artigo 13º da CRP ao criar uma descriminação entre os utentes que entram na capital apenas de passagem e aqueles que entram para ficar. Tais situações não podem ser dadas como equivalentes. No caso do Autor, ele apenas ia fretar uma viatura para ir direito a Fátima, não pensando sequer chegar efetivamente a entrar na capital, como erradamente se presumiu.

5          Ausência de notificação, o que viola o disposto na alínea c) do Nº 2 do Artigo 114º do CPA. Esta seria essencial porque os atos em causa afetam direitos e interesses legalmente protegidos bem como as condições para o seu exercício e porque seria o ponto em que o Autor poderia reclamar a validade dos atos em questão. Em ambos os tributos houve deficiências na sua notificação, não respeitando o previsto na alínea c) do Nº 2 do Artigo 114º do CPA. O pagamento deve ter o valor de aceitação do ato para efeitos do Artigo 56º do CPTA, sendo necessário assegurar o acesso à tutela jurisdicional nos termos do Nº 4 do Artigo 268º da CRP e do Artigo 2º do CPTA.

6          Incompetência para o estabelecimento da taxa, por via da imposição do princípio da legalidade (Artigo 226, Nº 2 da CRP, Artigo 3º do CPA e Artigo 45º da Lei das Autarquias Locais – doravante LAL) e em virtude da reserva relativa da Assembleia da República para a criação de impostos, conforme o disposto na alínea i) do Nº 1 do Artigo 165º da CRP. Sendo matéria de reserva relativa da Assembleia da República, a mesma poderá criar impostos ou autorizar o Governo à criação dos mesmos. Na ausência de autorização legislativa a criação do tributo será inconstitucional e não existirá obrigatoriedade do pagamento por força do Nº 3 do Artigo 103º da CRP. No domínio do poder tributário das autarquias locais, a criação de taxas está prevista no Artigo 238º e na alínea n) do Artigo 288º da CRP.

7          Ilegalidade do regulamento camarário que cria a taxa, em virtude da vinculação total da administração ao princípio da legalidade, pelo que tais impostos são desprovidos de sentido legal, por força da alínea k) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA. Na medida em que os impostos criados pelo Governo no âmbito da competência legislativa da Assembleia da República que padeçam de autorização da mesma são inconstitucionais, estamos perante uma ilegalidade de competência bem como perante uma inconstitucionalidade orgânica quanto à sua criação municipal. Aplicar-se-á, deste modo, a alínea b) do Nº 2 do Artigo 59º da LAL, em conjugação com a línea b) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA, resultando na nulidade do ato.
Dispõe o artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 53E/2006 que as taxas são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respetivo, definindo-se, mormente, a forma de liquidação da taxa e a fundamentação legal da isenção. O Regulamento da taxa não contém as fundamentações enunciadas; nem, nos termos Nº 2 do Artigo 136º do CPA, indica expressamente as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão. Omissão que constitui causa de invalidade nos termos do Nº1 do Artigo 143º e do Artigo 144, resultando de anulabilidade do mesmo.

8          Valores cobrados são impostos e não taxas porque o imposto é um ato unilateral na medida em que o Estado não confere a quem paga uma contrapartida direta e imediata; não apresenta carácter de sanção; tem fundamento legal e é definitivo, ou seja, o contribuinte não será reembolsado pelo montante pago. No imposto, o serviço prestado não é suscetível de atribuição individual aos cidadãos (contrariamente com o que acontece com a taxa). No fundo, o imposto consiste numa contribuição imposta a todos ou a uma certa categoria de pessoas de acordo com a sua capacidade contributiva e tem como finalidade financiar o Estado e as funções públicas em geral. A taxa tem que determinar proporcionalidade em relação ao benefício específico proporcionado pelo serviço prestado ou pelo custo suportado pela comunidade com a utilização do bem de domínio público. Não pode, nunca, ser fixado em função da capacidade contributiva revelada pelo indivíduo que a paga. Nos impostos, essa fixação já é possível, ou seja, são pagos em função da capacidade contributiva revelada e não em função do valor do serviço prestado. Estamos perante um imposto travestido de uma taxa, pois não se usufruiu de um serviço concreto numa relação de bilateralidade apenas por utilizar o aeroporto, um bem de domínio público e, por isso, mais suscetível de ser enquadrado como um imposto, onde não existe a prestação de um serviço concreto mas, ao invés, a utilização de um bem do domínio público, numa relação de unilateralidade. Porquanto não se vislumbra da existência de uma relação sinalagmática que se estabelece por via do benefício individualizado auferido por cada turista, nomeadamente pelos serviços de informação e apoio aos turistas, tal taxa é violadora do Nº 2 do Artigo 4º nº 2 da Lei Geral Tributária (doravante LGT). A taxa é ilegal por carecer de fundamento nos termos da alínea k) do Nº2 do Artigo 161º do CPA e do Artigo 4º da LGT, ou tratando-se de um imposto camuflado, sendo portanto nula por falta de competência do município para a sua criação, por força da alínea b) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA, e do Nº 1 do Artigo 25º da LAL e da alínea b) do Nº 2 do Artigo 59º da LAL, uma vez que estes apenas podem ser criados pela Assembleia da República conforme a alínea i) do Nº1 do Artigo 165º da CRP.

9          Da Ilegalidade da cobrança por violação do Direito da União Europeia, nomeadamente do Direito de Livre Circulação no território dos Estados-Membros. Não sendo que esta taxa tenha como justificação razões de ordem, segurança ou saúde pública sendo ilegal a fixação das mesmas a nível municipal. A legislação da União Europeia proíbe a discriminação em razão da nacionalidade. Tal aplica-se às discriminações ostensivas em razão da nacionalidade e, salvo justificação em contrário, às formas dissimuladas. Nos termos do Nº1 do Artigo 144º do CPA são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com direito da União Europeia, nomeadamente os Artigo 18º e seguintes do Tratado de Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).


Notificados os Réus, os mesmos respondem, invocando:

1          As taxas visam facilitar ou dificultar, desfavorecendo o uso imoderado, o acesso aos serviços públicos e proceder à justa distribuição dos encargos públicos. Tendo uma finalidade compensatória, pois visam a compensação da prestação, são cobradas em três situações:
Pela utilização de bens de domínio público;
Pela obtenção de um serviço público;
Pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da atividade privada.
Neste caso em particular, foi utilizado um bem de domínio público, pelo facto de os dois turistas terem estado alojados num hotel e por terem visitado a cidade, utilizando obrigatoriamente as suas infraestruturas.

2          A criação das taxas visa a qualificação urbanística, territorial e ambiental, como refere o Nº1 do Artigo 5º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro, sendo a fixação do valor das taxas da competência da Câmara Municipal, conforme a alínea a) do Nº2 do Artigo 8º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro.

3          As taxas devem ser fixadas de acordo com o princípio da proporcionalidade, como consta do Nº1 do Artigo 4º da LAL. O princípio da proporcionalidade, previsto no Nº1 do Artigo 266º da CRP e no artigo 7º, Nº1 do CPA, é salvaguardado com os benefícios recebidos em troca do pagamento das taxas que irá contribuir para o melhoramento das infraestruturas públicas da cidade.

4          A taxa municipal sobre o alojamento é de um euro por noite e a taxa de entrada por via aérea, cobrada no aeroporto é também de um euro, valores baixos comparados aos de outras cidades europeias, que também aplicam taxas aos turistas, como contrapartida das infraestruturas oferecidas pela cidade, só estando em aplicação a taxa de pernoita, pois a taxa do aeroporto vai ser assumida na sequência de acordo celebrado com a autarquia pela empresa Voa, Voa – Aeroporto de Lisboa.

5          As taxas foram criadas segundo o Nº 4 do Artigo 238º da CRP, sendo taxas administrativas de carácter sinalagmático, por serem tributos bilaterais. Os turistas, ao fazerem o pagamento das referidas taxas, beneficiam em troca das infraestruturas oferecidas pela cidade. Segundo a alínea b) do Nº1 do Artigo 25º da LAL, compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, aprovar as taxas do município e fixar o respetivo valor, conforme o Nº 1 do Artigo 8º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais. Segundo o Nº 1 do Artigo 36º do CPA, a competência é definida por lei ou por regulamento, pelo que nos termos da alínea b) do Artigo 3º da LAL, o planeamento é uma atribuição das Autarquias Locais, sendo que, nos termos da alínea c) do Nº1 do Artigo 33º, é da competência da Câmara Municipal a elaboração do seu orçamento. Os municípios podem criar taxas, nos termos do regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, no Nº2 do Artigo da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro.

6          A primeira taxa de um euro, pela entrada em Lisboa, tem como objetivo promover o turismo investindo esse valor na melhoria das infraestruturas, pontos de interesse cultural, histórico, gastronómico. A segunda taxa de cinco euros tem como contraprestação as infraestruturas oferecidas pela cidade e todos os custos que a Autarquia de Lisboa acarreta implicitamente com a estadia de turistas.

7          Apesar da alínea i) do Nº1 do Artigo 165º da CRP dizer que é da competência relativa da Assembleia da República a criação de impostos e regime geral das taxas, o Artigo Nº 241 da CRP vem dizer que as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio e ainda o Nº 4 do Artigo 238º diz que as autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na Lei.

8          Segundo a alínea b) do Nº1 do Artigo 25º da Lei n.º 75/2013, compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, aprovar as taxas do município e fixar o respetivo valor. O Nº1 do Artigo 8º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais estabelece que estas são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respetivo.

9          Segundo o Artigo 3.º da Lei Nº 53-E/2006, as taxas das autarquias locais tratam-se de tributos que assentam na contraprestação, sinalagmática, pecuniária, associada a um serviço ou benefício proporcionado por uma Entidade Pública mais que não seja a utilização das estradas da autarquia e das infraestruturas do aeroporto como se verificou.

10        A liquidação e cobrança de uma taxa, como ato administrativo que é, está sujeito ao princípio da igualdade e da proporcionalidade. A igualdade de tratamento entre cidadãos nacionais e estrangeiros (Artigo 13º da CRP) não é colocada em causa pela aplicação de uma taxa por ser a mesma, por definição uma contraprestação, ou seja dela advirá um benefício direto para o cidadão estrangeiro.

11        Em relação à cobrança a estrangeiros alega-se o princípio da discriminação positiva.

12        O princípio da igualdade presente no Artigo 13º da CRP não foi violado, assim como as disposições do Artigo 15º da CRP foram respeitadas. O ato administrativo em questão caracteriza-se por impositivo e de plena obrigatoriedade para qualquer particular, sendo que decorre do Nº 1 do Artigo 15º da CRP que cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal estão sujeitos aos deveres e obrigações em vigor. Em suma foi respeitado o princípio da equiparação jurídica.

13        A alegação de violação do princípio da proporcionalidade não se verifica real, na medida em que a taxa foi criada no sentido de cobrir o investimento necessário à manutenção as infraestruturas e sustento do setor turístico de Lisboa, sendo a taxa proporcional ao fluxo de turistas que a cidade alberga.

14        O princípio da razoabilidade também não foi violado, na medida em que os custos são inferiores às vantagens, ao abrigo do Nº 2 do Artigo 266 da CRP.


Apreciando.

Atendendo ao alegado pelas Partes, audição das testemunhas apresentadas e aos documentos juntos aos autos, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos:

1          A 11 de abril de 2015, Feliciano Yanaqué, acompanhado de sua esposa, Gertrudis Yanaqué, aterrou no aeroporto da Portela, em Lisboa, proveniente de Piura, Perú.

2          Aquando da sua chegada ao aeroporto, foi cobrada pela empresa Voa Voa – Aeroporto de Lisboa, uma taxa de entrada no Município, denominada de Taxa Municipal Turística, no montante de um euro.

3          Acompanhado da esposa e dos amigos missionários, dirigiram-se para o Santuário de Fátima, numa viatura previamente fretada, a fim de participar no início das cerimónias religiosas.

4          O Autor aproveitou para, durante a sua estadia em Portugal, conhecer o centro e o norte do país.

5          A 29 de abril, regressa, acompanhado de sua esposa, a Lisboa, tendo nesta permanecido por cinco dias (4 noites) alojado no Hotel Machu Picchu.

6          A 3 de maio, data de regresso a Piura, pelo gerente do Hotel e aquando do pagamento, reparou que na fatura emitida constava uma verba de cinco euros relativa a taxa de alojamento por dormida.


Em termos de matéria de Direito são considerados como necessários de apreciação as seguintes questões:

1          Analisado o Regulamento n.º 2387/15 da Câmara Municipal de Lisboa ficou provado que foram cumpridas todas as formalidades essenciais para a sua elaboração de acordo com o previsto no CPA, nomeadamente consulta pública e audiência dos interessados (Artigos 100º e 101º).

2          O ato administrativo de cobrança encontra-se assim subjacente à emanação daquele regulamento, pelo que tendo em conta que resulta de um ato simples e que se produziria de qualquer forma, a audiência prévia, considerada à luz do CPA uma formalidade essencial, é degradada numa formalidade não essencial. Ademais, conforme aludido no n.º 1, o regulamento que determinou o ato administrativo já foi alvo de audiência dos interessados.

3          Acresce-se que, analisada a prova n.º 1, confirmou-se que as faturas de cobrança das taxas têm alusão ao regulamento que as fundamenta, pelo que se encontra preenchida a formalidade essencial de fundamentação.

4          Assim sendo, tal como o regulamento, também o ato administrativo cumpriu as formalidades essenciais.

5          O cerne da questão passa por averiguar se estamos perante uma competência da Câmara Municipal de Lisboa na criação do regulamento, estando em causa a divergência entre um imposto ou uma taxa.

6          Alega o autor que as taxas são impostos camuflados, uma vez que não estamos perante a presença de uma contraprestação, logo o requisito de sinalagma não está preenchido.

7          Na verdade, a serem qualificáveis de impostos, a sua criação seria constitucionalmente de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República (Artigo 165º, Nº 1, alínea i) da CRP). Dessa forma haveria manifesta inconstitucionalidade quanto à criação do regulamento pela Câmara Municipal.

8          Pelo contrário, sendo consideradas taxas, a Câmara Municipal tem competência na proposta de criação da taxa, dependendo da respetiva aprovação por parte da Assembleia Municipal de Lisboa, conforme se verificou (Artigo 25º, Nº 1, alínea b) da Lei n.º 75/2013), tendo o regulamento norma habilitante.

9          Assim, avaliaremos de seguida a diferença entre imposto e taxa. A doutrina é unânime ao distinguir um tributo do outro, baseando-se no critério da unilateralidade e na bilateralidade, respetivamente, que se baseia na existência ou não de uma contrapartida específica.

10        Alberto Xavier esclarece que as taxas são “a prestação da atividade pública, a utilização do domínio público e a remoção do limite jurídico e por isso estas realidades e a taxa que lhes corresponde encontram-se entre si ligadas por um nexo sinalagmático em termos de uma se apresentar como contrapartida da outra”. Por sua vez, José Manuel da Costa refere que “o imposto é uma prestação coativamente exigida pelo Estado com carácter definitivo, em ordem à prossecução de uma finalidade (maxime financeira) não sancionatória, e à qual não corresponde qualquer contrapartida específica”.

11        Sinalagma implica que ocorra uma correlação entre a prestação administrativa e a taxa, decorrendo do sinalagma a especificidade, a individualização, a proporcionalidade e a exigibilidade.

12        Ao ser individualizada, deverá oferecer ao pagador uma utilidade proporcionada pela entidade a quem é paga, sendo que o pagador tem direito a exigi-la. Ademais, a taxa deverá destinar-se a financiar um serviço público prestado ou a pagar o benefício decorrente da utilização de um bem público. Como tal, a sua receita não pode ser utilizada em outros fins.

13        Surge-nos a questão se a contrapartida deverá equivaler rigorosamente ao montante da taxa. Ora, o princípio da proporcionalidade a que a administração está adstrita, previsto no Nº2 do Artigo 266º CRP, revela a necessidade de correlação mínima entre meios e fins mas tal não deverá implicar uma equivalência rigorosa, sendo que a maioria da doutrina entende que tal constitui uma diferença da ideia de preço de um serviço definido pela tarifa. Como tal será apenas suficiente que não ocorra uma desproporção entre o valor e o benefício.

14        Importa então definir aqui a fronteira entre o imposto e a taxa. O imposto visa financiar despesas públicas em geral, não podendo ser consignados a despesas específicas ou a certos serviços públicos.

15        Já as taxas envolvem três contraprestações: a fruição de um serviço público; a utilização de um bem público ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. É na fruição destes bens que as receitas das taxas deverão ser aplicadas.

16        Posto isto, e tendo em conta o fim do regulamento criado pela Câmara Municipal de Lisboa – melhorar as condições de acesso à cidade e das infraestruturas turísticas que esta oferece –, é de considerar que se encontram preenchidos os requisitos previstos para as taxas, excluindo-se a figura do imposto.

17        Tal como esclarece Marcelo Rebelo de Sousa “trata-se da realização de prestação administrativa, latu sensu, envolvendo prestações stricto sensu de serviço público, fruição de bens de domínio público ou remoção de obstáculo, no atinente quer àquele serviço, quer a esta fruição”.

18        Ainda que a utilização do aeroporto seja exclusivamente para aceder a outras cidades do país, a realidade é que são utilizadas infraestruturas do município, estando estes totalmente ao dispor do utilizador.

19        Assim sendo, ao encontrarmo-nos perante taxas, é constitucional a criação do regulamento pelo município de Lisboa.

20        Comprovada a legalidade do regulamento e do ato, importa agora esclarecer se estamos perante a violação do princípio da igualdade ou se de uma discriminação positiva.

21        A Administração Pública está vinculada ao princípio da igualdade e à não discriminação dos cidadãos (Artigo 266º, Nº 2 da CRP). O princípio da igualdade assenta em dois pilares: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. Estamos perante duas vertentes do princípio da igualdade: a proibição da discriminação e a obrigação da diferenciação.

22        A invocação da discriminação positiva deverá ser afastada, uma vez que não estamos perante medidas compensatórias para um grupo de cidadãos que se encontram numa posição minoritária em relação aos restantes. Não poderá ser comparado dois grupos distintos que usufruem de infraestruturas de forma diferente, no caso a diferenciação entre nacionais e estrangeiros.

23        Acresce o Artigo 6º do CPA que “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

24        A lei fundamental, Artigo 15.º, prevê que os estrangeiros e os apátridas que se encontram ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

25        Ademais, aplica-se à ordem interna a doutrina da União Europeia (Artigo 8º, Nº 4 da CRP), que implica como liberalidade fundamental a livre circulação de pessoas e um tratamento uniforme entre os cidadãos dos Estados-Membros (TFUE).

26        Ora, o regulamento do município de Lisboa aplica a referida taxa apenas a estrangeiros e, dentro desses, os que utilizam o aeroporto de Lisboa como porta de entrada no município.

27        No que diz respeito à utilização do aeroporto, a Câmara Municipal de Lisboa procedeu já à alteração do regulamento após acordo com a empresa Voa Voa – Aeroportos de Lisboa, pelo que fica sanada a violação do princípio da igualdade perante outros cidadãos que utilizem outros meios de acesso ao município.

28        No entanto, mantém-se a distinção no regulamento da cobrança exclusiva a estrangeiros na utilização de infraestruturas hoteleiras do município.

29        Como tal, não está respeitado o princípio de igualdade a que a doutrina interna está sujeita, sendo que nos encontramos perante a violação de princípios fundamentais constantes os Artigos 13º e 15º da CRP.

30        De acordo com o Nº1 do Artigo 143º do CPA, são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia, sendo o seu desvalor a nulidade.

Da análise das matérias de facto e das matérias de Direito conclui-se:

1          É considerado nulo o Regulamento Nº 2387/15 da Câmara Municipal de Lisboa, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, conforme Nº1 do Artigo 162º do CPA, por ser violador do princípio da igualdade.

2          A nada é devido ao autor.
Custas judiciais de acordo com o réu.
Registe e notifique as Partes.


O Coletivo de Juízes:
João Couto, n.º 24000
Luís Godinho, n.º 24834
Luís João, n.º 24679
Nelson Chicomba, n.º 21392
Paulino Morais, n.º 24694
Pedro Vieira, n.º 24730
Rafael Lima, n.º 23144
Sónia Fernandes, n.º 2399