segunda-feira, 1 de junho de 2015

Breve análise da evolução comparativa dos sistemas administrativos Anglo-Saxónico e Romano-Germânico


Antes da análise dos sistemas em específico, vamos iniciar com uma breve distinção histórica dos tipos de Estado, focando na sua evolução europeia em particular, dividindo em 4 grandes grupos:

- Estado Pré-Constitucional: após a queda do Império Romano, a Europa foi dominada pelo Feudalismo da Idade Média, no qual a Administração Pública era residual e incipiente, reduzida à capacidade de cobrança de impostos e manutenção da capacidade bélica do Estado. As necessidades colectivas eram essencialmente mantidas pela estrutura religiosa cristã (residual da organização do Império Romano).
A evolução do Feudalismo foi no sentido do Absolutismo e do Estado de Polícia, caracterizados por uma contínua e crescente concentração de poderes na figura do monarca.

- Estado Liberal: o crescente descontentamento das populações face à indiferença social que caracterizou o Absolutismo levou a grandes convulsões sociais que redundaram nas Revoluções Liberais e no triunfo do Liberalismo, do qual podemos enunciar as duas principais correntes: a do princípio da separação dos poderes em sentido rígido, conforme enunciada por Montesquieu; e da soberania popular defendida por Rosseau. Em ambas o Direito surge como limite dos poderes públicos, sendo o princípio da legalidade o limite e o fundamento da actividade administrativa.

- Estado Social: decorrente da Primeira Guerra Mundial é possível contar como uma das baixas o conceito da sociedade auto-regulada criado pelo optimismo liberal. Surge um novo conceito de Administração Pública, com novas tarefas e áreas de acção, passando de uma Administração agressiva para uma Administração de cariz essencialmente prestacional. A rigidez do princípio da separação de poderes passa a ser encarada como um conceito flexível, com evolução histórico-temporal. É adoptado um novo conceito de legalidade, no qual todos os elementos normativos limitam a actividade administrativa, passando para a esfera da função jurisdicional o controlo jurídico da actividade administrativa pública.
No Estado Social de Direito é possível individualizar o conceito de Estado-Providência que tem como objectivo ir para além da garantia dos patamares mínimos de bem-estar através de uma intervenção directa do Estado.
Em consequência das diferentes crises que flagelaram o início do século XXI, e consequente diminuição da capacidade de intervenção dos Estados levando ao Estado Social Pós-Providência que se caracteriza essencialmente pelo seu cariz de administração infra-estrutural.
- Estados de Não-Direito: em consequência da crise do Estado Liberal, e contemporaneamente ao Estado Social, surgem novas ideologias, que apesar de diametralmente opostas no espectro político, mostram partilhar de traços de anti-liberalismo, anti-democracia e totalitarismo. Dos quais podemos referir o Estado Socialista (caracterizado pela apropriação colectiva dos meios de produção e pelo desaparecimento de considerável parte das liberdades individuais, levando a um expoente máximo da Administração Pública em que o Estado é produtor e consumidor) e o Estado Fascista (caracterizado por ser um regime político dictorial em que as liberdades individuais são postas em causa por uma Administração Pública com uma esfera de acção muito mais ampla em termos de agressividade e prestação).


Da evolução histórica do conceito de Direito Administrativo

Com a Revolução Francesa, e instauração do modelo de Estado Liberal, podemos afirmar que existe o surgimento do Direito Administrativo Moderno. No âmbito da consagração do princípio da separação de poderes, os tribunais comuns são excluídos do julgamento da Administração Pública, surgindo assim uma situação de contrassenso em que a Administração julgava a própria Administração.
Esta situação do sistema francês não ocorria no sistema britânico, pois a acção da Administração estava sujeita ao Commom Law.
Com Bonaparte ocorreram alterações de forma a terminar com o administrador juiz, no entanto, mantinha-se a situação de promiscuidade de Administração a julgar Administração, uma vez que os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de homologação pela Governo. Apesar da evolução posterior para a dispensa da necessidade e homologação dos pareceres do Conselho de Estado, o mesmo mantém a situação de um órgão administrativo a julgar a Administração.
A situação de promiscuidade entre a Administração e a Justiça manteve-se em França até aos finais do século XIX, início do século XX, até ao acórdão de Agnes Branco, momento considerado como a base jurisprudencial da autonomização do Direito Administrativo.
No Reino Unido o sistema liberal é implementado de forma diferente, estabelecendo um regime em que é dispensada a ideia de superioridade dos poderes, colocando sobre a alçada dos tribunais o contencioso administrativo, resultando num sistema de administração judiciária, no qual a Administração Pública actua de acordo com a Commom Law.
A evolução e surgimento para o Estado Social altera o paradigma do conceito de Estado, com o seu enfoque no âmbito económico e social, tornando a função administrativa na função primordial do Estado, o que se reflecte num aumento da Administração Pública e uma alteração de uma posição agressiva para uma posição de prestação de serviços, de intervenção na vida dos cidadãos com vista à satisfação das necessidades colectivas.
Essas alterações levaram à multiplicidade da actuação da Administração, para além do acto administrativo e alterando-o para uma posição de submissão legal e de respeito dos interesses dos particulares, com uma redução do seu factor coactivo.
No direito francês a divisão do Conselho de Estado, no final do século XIX, numa secção administrativa e outra jurisdicional, veio dar uma crescente autonomia à secção contenciosa que foi reconhecida como verdadeiro tribunal na década de 80.
A evolução do modelo administrativo anglo-saxónico foi inversa, com a criação de órgãos com poderes de autotutela no âmbito do Direito Administrativo, autoridades independentes com poder de decisão sem sujeição a controlo jurisdicional, o que cria uma aproximação dos sistemas por via de movimentos de sentidos contrários.
Com os efeitos das crises da década de 60, e consequente surgimento do Estado Pós-Social, o Estado assume funções de regulação em detrimento da prestação de serviços, o que resulta numa crescente preocupação para a criação de condições para a prestação de serviços por outras entidades, o que acrescenta um factor de multilateralidade nas relações jurídicas administrativas.
A evolução do Direito Administrativo levou a uma constitucionalização da justiça administrativa, levando à integração dos tribunais administrativo na esfera judicial e à consagração constitucional de direitos dos particulares que prevalecem face à Administração. Com o processo de integração europeia, ocorre um fenómeno supranacional de institucionalização de Direito Administrativo Europeu, em sede do Direito da União Europeia, o que leva a prever à formação de Direito Administrativo Global (ou tendencialmente global).
Do Direito Administrativo Europeu, podemos ver a tendência de criação de um sistema híbrido em que são conjugados os princípios vigentes e comuns do sistema anglo-saxónico (sistema de administração judiciária) e do sistema romano-germânico (sistema de administração executiva), havendo uma conjugação dos princípios da legalidade e produção legislativa com as tendências de forte vinculação jurisprudencial, que fazem prever um movimento de comunhão, expectativamente, do melhor dos dois sistemas.
                                                                                                              

Elaborado por: Pedro Vieiria, n.º 24730                   


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