Antes da análise dos sistemas
em específico, vamos iniciar com uma breve distinção histórica dos tipos de
Estado, focando na sua evolução europeia em particular, dividindo em 4 grandes
grupos:
-
Estado Pré-Constitucional: após
a queda do Império Romano, a Europa foi dominada pelo Feudalismo da Idade
Média, no qual a Administração Pública era residual e incipiente, reduzida à
capacidade de cobrança de impostos e manutenção da capacidade bélica do Estado.
As necessidades colectivas eram essencialmente mantidas pela estrutura
religiosa cristã (residual da organização do Império Romano).
A evolução do Feudalismo foi no
sentido do Absolutismo e do Estado de Polícia, caracterizados por uma contínua
e crescente concentração de poderes na figura do monarca.
-
Estado Liberal: o
crescente descontentamento das populações face à indiferença social que
caracterizou o Absolutismo levou a grandes convulsões sociais que redundaram nas
Revoluções Liberais e no triunfo do Liberalismo, do qual podemos enunciar as
duas principais correntes: a do princípio da separação dos poderes em sentido
rígido, conforme enunciada por Montesquieu; e da soberania popular defendida
por Rosseau. Em ambas o Direito surge como limite dos poderes públicos, sendo o
princípio da legalidade o limite e o fundamento da actividade administrativa.
-
Estado Social:
decorrente da Primeira Guerra Mundial é possível contar como uma das baixas o
conceito da sociedade auto-regulada criado pelo optimismo liberal. Surge um
novo conceito de Administração Pública, com novas tarefas e áreas de acção,
passando de uma Administração agressiva para uma Administração de cariz essencialmente
prestacional. A rigidez do princípio da separação de poderes passa a ser
encarada como um conceito flexível, com evolução histórico-temporal. É adoptado
um novo conceito de legalidade, no qual todos os elementos normativos limitam a
actividade administrativa, passando para a esfera da função jurisdicional o
controlo jurídico da actividade administrativa pública.
No Estado Social de Direito é
possível individualizar o conceito de Estado-Providência que tem como objectivo
ir para além da garantia dos patamares mínimos de bem-estar através de uma
intervenção directa do Estado.
Em consequência das diferentes
crises que flagelaram o início do século XXI, e consequente diminuição da
capacidade de intervenção dos Estados levando ao Estado Social Pós-Providência
que se caracteriza essencialmente pelo seu cariz de administração
infra-estrutural.
-
Estados de Não-Direito:
em consequência da crise do Estado Liberal, e contemporaneamente ao Estado
Social, surgem novas ideologias, que apesar de diametralmente opostas no
espectro político, mostram partilhar de traços de anti-liberalismo,
anti-democracia e totalitarismo. Dos quais podemos referir o Estado Socialista
(caracterizado pela apropriação colectiva dos meios de produção e pelo
desaparecimento de considerável parte das liberdades individuais, levando a um
expoente máximo da Administração Pública em que o Estado é produtor e
consumidor) e o Estado Fascista (caracterizado por ser um regime político
dictorial em que as liberdades individuais são postas em causa por uma
Administração Pública com uma esfera de acção muito mais ampla em termos de
agressividade e prestação).
Da
evolução histórica do conceito de Direito Administrativo
Com a Revolução Francesa, e
instauração do modelo de Estado Liberal, podemos afirmar que existe o
surgimento do Direito Administrativo Moderno. No âmbito da consagração do
princípio da separação de poderes, os tribunais comuns são excluídos do
julgamento da Administração Pública, surgindo assim uma situação de
contrassenso em que a Administração julgava a própria Administração.
Esta situação do sistema
francês não ocorria no sistema britânico, pois a acção da Administração estava
sujeita ao Commom Law.
Com Bonaparte ocorreram
alterações de forma a terminar com o administrador juiz, no entanto,
mantinha-se a situação de promiscuidade de Administração a julgar
Administração, uma vez que os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de
homologação pela Governo. Apesar da evolução posterior para a dispensa da
necessidade e homologação dos pareceres do Conselho de Estado, o mesmo mantém a
situação de um órgão administrativo a julgar a Administração.
A situação de promiscuidade
entre a Administração e a Justiça manteve-se em França até aos finais do século
XIX, início do século XX, até ao acórdão de Agnes Branco, momento considerado
como a base jurisprudencial da autonomização do Direito Administrativo.
No Reino Unido o sistema
liberal é implementado de forma diferente, estabelecendo um regime em que é
dispensada a ideia de superioridade dos poderes, colocando sobre a alçada dos
tribunais o contencioso administrativo, resultando num sistema de administração
judiciária, no qual a Administração Pública actua de acordo com a Commom Law.
A evolução e surgimento para o
Estado Social altera o paradigma do conceito de Estado, com o seu enfoque no
âmbito económico e social, tornando a função administrativa na função
primordial do Estado, o que se reflecte num aumento da Administração Pública e
uma alteração de uma posição agressiva para uma posição de prestação de
serviços, de intervenção na vida dos cidadãos com vista à satisfação das
necessidades colectivas.
Essas alterações levaram à
multiplicidade da actuação da Administração, para além do acto administrativo e
alterando-o para uma posição de submissão legal e de respeito dos interesses
dos particulares, com uma redução do seu factor coactivo.
No direito francês a divisão do
Conselho de Estado, no final do século XIX, numa secção administrativa e outra
jurisdicional, veio dar uma crescente autonomia à secção contenciosa que foi
reconhecida como verdadeiro tribunal na década de 80.
A evolução do modelo
administrativo anglo-saxónico foi inversa, com a criação de órgãos com poderes
de autotutela no âmbito do Direito Administrativo, autoridades independentes
com poder de decisão sem sujeição a controlo jurisdicional, o que cria uma
aproximação dos sistemas por via de movimentos de sentidos contrários.
Com os efeitos das crises da
década de 60, e consequente surgimento do Estado Pós-Social, o Estado assume
funções de regulação em detrimento da prestação de serviços, o que resulta numa
crescente preocupação para a criação de condições para a prestação de serviços
por outras entidades, o que acrescenta um factor de multilateralidade nas
relações jurídicas administrativas.
A evolução do Direito
Administrativo levou a uma constitucionalização da justiça administrativa,
levando à integração dos tribunais administrativo na esfera judicial e à
consagração constitucional de direitos dos particulares que prevalecem face à
Administração. Com o processo de integração europeia, ocorre um fenómeno
supranacional de institucionalização de Direito Administrativo Europeu, em sede
do Direito da União Europeia, o que leva a prever à formação de Direito
Administrativo Global (ou tendencialmente global).
Do Direito Administrativo
Europeu, podemos ver a tendência de criação de um sistema híbrido em que são
conjugados os princípios vigentes e comuns do sistema anglo-saxónico (sistema
de administração judiciária) e do sistema romano-germânico (sistema de
administração executiva), havendo uma conjugação dos princípios da legalidade e
produção legislativa com as tendências de forte vinculação jurisprudencial, que
fazem prever um movimento de comunhão, expectativamente, do melhor dos dois
sistemas.
Elaborado por: Pedro Vieiria, n.º 24730
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