quinta-feira, 30 de abril de 2015


Procedimento Administrativo


         
               Como escrevem Vasco Pereira da Silva[1] e Fausto de Quadros é salutar que a administração se reja por um conjunto de regras típicas de um Estado de Direito Democrático. Isto quer dizer que para exercer as suas funções de prossecução do interesse público, a administração deve obedecer a regras, sobretudo quando a sua atividade colide com os interesses dos particulares. Não é que à partida interesses individuais e interesses coletivos sejam necessariamente antagónicos, mas muitas vezes são-no, e quando o são deveria haver especial cuidado na interação entre administração e cidadão. Porque no fim de contas o Estado surge em boa medida como auxiliar dos cidadãos e não como algo oposto[2].
              As regras a que a administração deve obedecer, ou como refere o artigo 1.º do presente CPA “a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”, devem em primeiro lugar, existir. E embora tal aspeto pareça pacífico atualmente, não o foi numa fase inicial da construção teórico-jurídica do Estado Moderno. Como refere Cândido de Oliveira[3] “a formulação da teoria da separação de poderes, (…) praticamente ignorava a Administração” deixando de lado a sua juridicização. A existência de regras claras e acessíveis para a atividade da Administração Pública foi um processo longo que em Portugal culminou com a aprovação do Código do Procedimento Administrativo em 1991, não sem várias críticas e oposições.
           Um segundo aspeto relativamente a essas regras de procedimento administrativo, além da sua existência, é que elas devem corresponder às expetativas que um cidadão tem da atuação de um Estado de Direito Democrático. Nesse sentido, devem obedecer a uma série de princípios que as tornem regras dignas desse tipo de Estado.
         Em Portugal, esses princípios a que devem obedecer as regras da administração não estão na dependência do legislador ordinário, mas constam do texto constitucional, designadamente nos artigos 267.º e 268.º da Constituição. Verifica-se que a principal preocupação da lei fundamental é participação dos cidadãos nas decisões e a informação acerca de tudo o que lhes diga respeito. Além da participação e informação, os cidadãos também têm direito à tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses, bem como o direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
           No entanto, na transmissão das ideias constitucionais, que abundam geralmente em generosidade, para os códigos concretos e as regras, bem como na sua aplicação, vai muitas vezes um mundo de diferença, havendo uma tendência legislativa e burocrática para refazer as regras de acordo com pré-compreensões mais estatizantes, tradicionais na administração pública portuguesa[4].
        Assim, no procedimento administrativo dos nossos dias, o importante é verificar a adequação dos princípios constitucionais a uma efetiva legislação equilibrada entre os interesses coletivos e individuais, que não aplane estes em função daqueles, mas garanta a harmonia das decisões administrativas com os direitos e interesses dos cidadãos, porque como se tem vindo a repetir, em última análise a administração pública está ao serviço do cidadão e não vice-versa.


Paulino Almeida  Morais
Aluno 24694





BIBLIOGRAFIA

[1] Vasco Pereira da Silva e Fausto de Quadros.” O Inverno do nosso descontentamento- As impugnações administrativas no projeto de revisão do CPA”. Justiça Administrativa.n.º100.Julho/Agosto 2013.p.
[2] Ver por exemplo o conceito de Estado e Sociedade de Hayek em Manuel Fontaine Campos.”Friederich Von Hayek:Liberdade e Ordem Espontânea” in João Carlos Espada e João Cardoso Rosas.” Pensamento Político Contemporâneo. Uma Introdução. Lisboa , Bertrand Editora,2004,p.31 e ss.
[3] Cândido de Oliveira.” «A Organização Judiciária Administrativa e Fiscal» in Vasco Pereira da Silva (coord).”Temas e Problemas de Processo Administrativo” 2.ªed.FDUL,Lisboa,2011,p.10
[4] Sobre a teoria administrativa portuguesa e a sua influência francesa estatizante ver João Caupers.” A Reforma do Contencioso Administrativo e as Necessárias Reformas do Código do Procedimento Administrativo. Uma velha necessidade cuja satisfação tarda inexplicavelmente.” in Vasco Pereira da Silva. ”Temas….”p.349.

sábado, 25 de abril de 2015

= O Acto Administrativo =


1- Origem e Evolução do Conceito de Acto Administrativo

   O conceito de ato administrativo foi construído com base em considerações de natureza jurisdicional, delimitando certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da actividade administrativa pelos tribunais.
    Nesta perspectiva, recortam-se duas fases distintas:

   - A primeira fase remete a uma  noção de acto administrativo enquanto forma delimitadora de acções da Administração Pública excluídas por lei da fiscalização dos tribunais judiciais, pretendendo identificar as actuações da Administração Pública sobre as quais os tribunais judiciais não se podiam pronunciar – tratava-se, então, de um conceito que funcionava ao serviço da independência da Administração perante o poder judicial.
   - Na segunda fase, a noção de acto administrativo já tinha uma função “definidora” das actuações da Administração Pública sendo estas submetidas ao controlo dos tribunais administrativos – o ato administrativo passou a ser um conceito ao serviço do sistema de garantias dos particulares.

Em suma, o conceito de ato administrativo apareceu como modo de delimitar certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da sua actividade pelos tribunais, mas dentro dessa perspectiva primeiro funcionou como garantia da Administração, e só depois como garantia dos particulares.
Também na Constituição, concretamente no artigo 268º, nº4, o ato administrativo surge a delimitar os comportamentos da Administração que são susceptíveis de controlo jurisdicional para garantia dos particulares- num plano contencioso, como refere Diogo Freitas do Amaral.



2- Definição do Acto Administrativo

     Diogo Freitas do Amaral postula uma concepção doutrinária que, no essencial, se coaduna com a definição legal de ato administrativo, presente no art. 120º CPA. 
     Assim, o autor aponta os seis elementos do ato jurídico:
- É um Acto Jurídico- ou seja uma conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos, sendo-lhe em regra aplicáveis os princípios gerais de direito referentes a todos os actos jurídicos. Sendo o ato administrativo um ato jurídico próprio, ficam fora do conceito: factos jurídicos involuntários, as operações materiais e as actividades juridicamente irrelevantes (estas categorias não podem ser impugnadas contenciosamente nos tribunais administrativos).
- É um Acto Unilateral- que provém de um só autor, cuja declaração é perfeita (acabada e completa) independentemente do concurso de vontades de outros órgãos ou sujeitos de direito. Enquanto ato unilateral, nele se manifesta uma vontade da Administração Pública, a qual não necessita da vontade de mais ninguém, e nomeadamente não necessita da vontade de qualquer particular, para ser perfeita e completa.
- É um Acto praticado no Exercício do Poder Administrativo:
- Deste ponto advém, em consequência, que não sejam actos administrativos os actos jurídicos praticados pela AP no desempenho de actividades de gestão privada (ou os actos legislativos, políticos ou jurisdicionais) por não traduzirem o exercício do poder administrativo, mesmo que praticados por órgãos da Administração.

- É um Acto praticado por um órgão Administrativo:
  Tal significa que se trata de um ato praticado por um órgão da Administração Pública em sentido orgânico, ou por um órgão de uma pessoa colectiva privada, ou por um órgão do Estado não integrado no pode executivo, por lei habilitados a praticar tais actos. 
   Em primeiro lugar, são actos administrativos os actos emanados de órgãos da AP em sentido orgânico ou subjectivo, sendo certo que não é qualquer funcionário público ou agente administrativo que pode praticar actos administrativos. Em segundo lugar, são também actos administrativos, por força da lei, certos actos jurídicos unilaterais que decidem situações individuais e concretas, em matéria administrativa, mas que não provêm da AP propriamente: é o caso, por exemplo, dos actos administrativos emanados por uma pessoa colectiva de mera utilidade pública ou por uma sociedade de interesse colectivo  .
 - É um Acto Decisório- elemento acrescentado pelo artigo 120º que, na perspectiva de Diogo Freitas do Amaral, esta inclusão deve-se ao facto de se querer recortar entre a massa dos actos da Administração uma categoria nova, denominada decisão- não bastando (para serem verdadeiros actos administrativos) que os actos jurídicos sejam praticados no exercício de um poder administrativo nem que visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta: só o serão, de entre esses, os que corresponderem a um conceito estrito de decisão. 
(Esta posição não corresponde a qualquer novidade doutrinal, tendo sido perfilhada por Rogério Soares, Vieira de Andrade e Sérvulo Correia. Aos actos jurídicos não decisórios e que desenvolvem apenas uma função auxiliar em relação aos actos administrativos, chamamos (na esteira de Rogério Soares, actos jurídicos menores- não produtores de efeitos jurídicos directos no ordenamento geral, não obstante a autonomia funcional de que gozam).

 - É um Acto Produtor de Efeitos Jurídicos numa situação Individual e Concreta:
Este último elemento tem em vista estabelecer a distinção entre actos administrativos (que têm conteúdo individual e concreto) e as normas jurídicas emanadas da AP- mormente os regulamentos (que têm conteúdo geral e abstracto).
Como exemplos de actos administrativos temos: autorizações administrativas, actos de ratificação ou de revogação de um acto administrativo anterior, uma ordem directa, etc.

3- Natureza Jurídica do Acto Administrativo

    Sem embargo das visões idênticas quanto ao conceito de ato administrativo, não se encontra na doutrina uma opinião convergente quanto à sua natureza jurídica. 
    Encontramos autores que defendem o acto administrativo com carácter de negócio jurídico e, para outros corresponde a um acto de aplicação do direito, que embora não seja igual acaba por desempenhar semelhante função à da sentença judicial.
   Uma terceira corrente, na qual é incluído Diogo Freitas do Amaral, crê que o acto administrativo deve ser encarado como tendo uma natureza sui generis e um carácter específico, enquanto acto unilateral de autoridade pública ao serviço de um fim administrativo. O referido autor defende que o acto administrativo é resultado das variadas diferenças de fundo assinaladas, não sendo susceptível de ser reconduzido nem ao regime do negócio jurídico (note-se, por exemplo, que este é uma figura de direito privado, enquanto o acto administrativo é uma figura de direito público), nem ao regime típico da sentença (que, por exemplo, segue um fim de justiça, enquanto o ato administrativo segue um fim administrativo).

4- Características do Acto Administrativo

a) Subordinação à lei- o acto administrativo tem de ser conforme a lei, sob pena de ser ilegal
b) Imperatividade- consequência da presunção de legalidade, sendo o seu conteúdo obrigatório e eficaz
c) Presunção de legalidade- pode ser entendida como o principio da legalidade, na medida em que todo o acto administrativo é emanado de um órgão com autoridade regulada pela lei
d) Revogabilidade- o acto administrativo é revogável pela administração, visto que tem a função de prosseguir o interesse público
e) Sanável- se ninguém, dentro dos prazos legais, recorrer a ilegalidade é sanada


5- Estrutura do Acto Administrativo

    A estrutura do acto administrativo, como a de qualquer ato jurídico, compõe-se de elementos; neste caso quatro- a saber: elementos subjectivos, formais, objectivos e funcionais.
Vejamos então:
Elementos subjectivos
O acto administrativo típico relaciona dois sujeitos de direito (em regra, a Administração Pública e um particular). Atendendo às situações típicas, cumpre referir que um dos sujeitos é uma pessoa colectiva pública que a AP ou, por vezes, uma pessoa colectiva privada titular de poderes de autoridade que com ela colabora – é dessa pessoa colectiva que o acto emana; em bom rigor, é a esta PCP que pertence a autoria jurídica do acto. (Por isso, em caso de impugnação do acto em causa, deve ser demandada a própria PCP ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o mesmo acto).
O outro sujeito é o destinatário do acto que, frequentemente, é um particular mas também pode ser uma pessoa colectiva pública.

Elementos formais
Todo o ato administrativo tem de ter, necessariamente, uma forma, entenda-se: um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a decisão voluntária em que o ato consiste.
Além da forma do ato administrativo, há ainda a assinalar as formalidades prescritas pela lei para serem observadas na fase da preparação da decisão ou na própria fase da decisão.
Nessa via, consideram-se formalidades os trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da decisão administrativa à luz do interesse público, bem como o respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.
Contrariamente à forma, as formalidades não fazem parte do ato administrativo em si mesmo.

Elementos objectivos
Os elementos objectivos do acto administrativo são, por excelência, o conteúdo e o objecto.

Conteúdo: substância da decisão voluntária em que o ato consiste. 

   Concretizando, fazem parte do conteúdo do ato administrativo:
- Decisão principal, tomada pela AP
- Cláusulas acessórias, porventura acrescentadas pelo autor

   Dentro do conteúdo, importa distinguir o conteúdo principal/ necessário (que permite identificar o acto) e o conteúdo acessório/ facultativo (que consiste nos elementos que a AP pode, de forma suplementar, acrescentar aos elementos que correspondem ao conteúdo principal, como forma de melhor ajustar este à satisfação de um dado interesse público concreto. Dentro deste conteúdo facultativo, incluem-se as cláusulas acessórias do ato administrativo, tais como o modo, a condição, o termo, a reserva de revogação, a cláusula “sem prejuízo dos direitos de terceiro”).

Objecto: realidade exterior sobre a qual o ato incide (uma pessoa, uma coisa, um ato administrativo primário).
Elementos funcionais
   O ato administrativo comporta três elementos funcionais: a causa, os motivos e o fim.

   A causa é um elemento que tem sido muito discutido na doutrina e não encontra consenso: na perspectiva de Marcello Caetano a causa não tem autonomia, no tocante ao ato administrativo. Já Afonso Queiró identifica-a com o antecedente ou pressuposto fundamental do ato. Gonçalves Pereira, vê na causa uma relação de adequação entre os pressupostos do ato e o seu objecto (conteúdo). 

   Na visão de Diogo Freitas do Amaral, a causa é -numa vertente objectiva- a função jurídico-social de cada tipo de ato administrativo e -numa vertente subjectiva- o motivo típico imediato de cada ato administrativo.

   Os motivos são todas as razões de agir que levam um órgão da Administração a praticar um determinado acto administrativo ou a dotá-lo de um determinado conteúdo. Na designação de motivos, descortinam-se motivos principais e acessórios, motivos típicos e atípicos, motivos próximos e remotos, motivos imediatos ou mediatos, motivos expressos e ocultos, motivos legais e ilegais.
   
 Quanto ao fim, trata-se logicamente da finalidade a prosseguir pela AP através da prática dum acto administrativo. Nesta sede, há que distinguir o fim legal – o objectivo que a lei tem ao atribuir determinada competência a um dado órgão da Administração e, o fim efectivo ou real- que seja ou tenha sido prosseguido, efectivamente, pelo órgão administrativo num dado caso.


6- Elementos, Requisitos e Pressupostos

Na opinião de Diogo Freitas do Amaral, e em sede de terminologia, há que distinguir elementos, requisitos e pressupostos.
Assim, os elementos correspondem às realidades que integram o próprio acto. Estes dividem-se em elementos essenciais (sem os quais o ato não existe ou não pode produzir quaisquer efeitos) e elementos acessórios (que podem ou não ser introduzidos no ato pela Administração).
Já os requisitos são as "condições" que a lei impõe em relação a cada um dos elementos do acto administrativo, de forma a garantir a legalidade e o interesse público ou para protecção dos direitos subjectivos e interesses legítimos do particulares. Dividem-se em requisitos de validade (sem cuja observância o acto será inválido) e requisitos de eficácia (sem cuja observância o acto será ineficaz).
Por fim, os pressupostos são as situações efectivas de cuja ocorrência depende a possibilidade (legal) de praticar um certo acto administrativo ou de o dotar com um determinado conteúdo.


7- O papel da Vontade

   Problema indissociável da natureza jurídica do ato administrativo é o papel da vontade no mesmo.       - Ora, os autores que vêem no acto administrativo um negócio jurídico, têm tendência a hipervalorizar o papel da vontade do órgão da Administração que pratica o ato.
- Contrariamente, os autores que vêem no acto administrativo uma sentença judicial, tendem a minimizar o papel da vontade do órgão administrativo competente, reiterando que o que releva é a vontade funcional ou normativa. (De salientar é: esta discussão tem interesse a nível da interpretação do acto administrativo, de integração das lacunas do mesmo, ou no plano dos vícios da vontade que venham eventualmente a afectar o acto administrativo).
      - Já Diogo Freitas do Amaral (que vê o acto administrativo como uma figura sui generis) defende uma linha de orientação intermédia, afirmando que o papel da vontade no acto administrativo não se reconduz ao papel da vontade no negócio jurídico ou na sentença, pelo que importa uma consideração própria e singular, de harmonia com o perfil sui generis do acto administrativo. Não obstante, acrescenta que- no tocante aos actos discricionários- se poderão aplicar tendencialmente as regras próprias do negócio jurídico, do mesmo modo que- em sede de actos vinculados- se poderão aplicar as regras próprias da sentença. 


8- Espécies de Actos Administrativos

Actos Primários: consideram-se actos primários aqueles que versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida. Ex.: nomear um funcionário.

   Dentro dos actos primários encontramos, numa primeira instância, os actos impositivos. Vejamos então,
    Actos Impositivos: os actos impositivos são aqueles que determinam a alguém que adopte uma certa conduta ou que colocam o seu destinatário em situação de sujeição a um ou mais efeitos jurídicos. Há que distinguir quatro modalidades de actos impositivos:

       - Actos de Comando: impõem a um particular a adopção de uma conduta positiva ou negativa. Assim, se os actos impõem uma conduta positiva ganham a designação ordens; já se os actos impuserem uma conduta negativa, serão proibições. [O domínio principal deste tipo de actos é o direito de polícia].
       - Actos ablativos: são aqueles que impõem a extinção ou a modificação do conteúdo de um direito. Ex.: expropriações de terreno, requisição de bens ou serviços, ocupação temporária de terrenos, nacionalizações de empresas. [Como contrapartida da prática deste tipo de actos, a AP deverá compensar os particulares afectados através do pagamento de uma indemnização pecuniária (cfr. Art. 62º, nº2 CRP), que deve ser «determinada através de uma avaliação concreta em dinheiro correspondente ao valor que o bem sacrificado tinha no património do lesado»].
        - Juízos: são os actos pelos quais um órgão da Administração qualifica, segundo valores de justiça ou critérios técnicos, pessoas, coisas, ou actos submetidos à sua apreciação. São actos impositivos, porque sujeitam os seus destinatários a determinados efeitos jurídicos, independentemente de eles aceitarem ou não esse ato, e de estarem ou não de acordo com o respectivo conteúdo. Ex.: classificações, graduações, valorações, notações.
          - Actos Punitivos: aqueles que impõem a alguém – indivíduo ou pessoa colectiva – uma sanção de carácter administrativo. Ex.: aplicação de uma pena disciplinar a um funcionário, fruto da violação de algum dos deveres funcionais do seu cargo. 
   Há diversas espécies de sanções administrativas que podem ser aplicadas através de um ato administrativo punitivo:

Sanções disciplinares internas, a que estão sujeitos por lei os funcionários públicos, fazem parte da organização administrativa.
Sanções disciplinares externas, a que estão sujeitos por lei alguns particulares, enquanto utentes de certos tipos de serviços públicos. Ex.: alunos das escolas
Sanções administrativas institucionais e corporativas, a que estão sujeitas por lei as empresas abrangidas pela supervisão ou fiscalização de determinados institutos públicos, bem como os cidadãos inscritos em certas associações ou corporações públicas.
Sanções administrativas municipais, a que estão sujeitos por lei todos os residentes em cada concelho ou município do país, e por vezes, também os restantes indivíduos que aí se encontram ou por aí passem, se violarem normas contidas nos regulamentos e posturas municipais.
Coimas, para as transgressões à legislação administrativa que não revistam «gravidade criminal» e não mereçam, por isso, ser comiseradas como coimas previstas e punidas no Código Penal. Ex.: violação de normas de Direito do ambiente, Direito da Saúde Pública.











- O que são Actos Instrumentais?
  Vejamos agora a categoria dos actos instrumentais, que identifica aquelas pronúncias administrativas que não envolvem uma decisão de autoridade, antes são auxiliares relativamente a actos administrativos decisórios. A doutrina costuma destacar duas modalidades principais: as declarações de conhecimento e os actos opinativos.
    As declarações de conhecimento são actos auxiliares pelos quais um órgão da Administração exprime oficialmente o conhecimento que tem de certos factos ou situações. Estes actos têm, em princípio, eficácia retroactiva.
    Já os actos opinativos são actos pelos quais um órgão da Administração emite o seu ponto de vista acerca de uma questão técnica ou jurídica. Dentro desta categoria, há que distinguir três modalidades: informações burocráticas (opiniões prestadas pelos serviços ao superior hierárquico competente para decidir), recomendações (actos pelos quais se emite uma opinião, consubstanciando um apelo a que o órgão competente decida de certa maneira, mas que o não obrigam a tal. As recomendações constituem, por assim dizer, opiniões reforçadas) e pareceres (actos opinativos elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva). 


9- Classificações dos Actos Administrativos 

1. Quanto ao autor

A - Decisões e Deliberações

     Antigamente, e até Marcello Caetano, fazia-se uma importante distinção entre decisões e deliberações. Assim, e atendendo-se ao critério do autor intitulavam-se de decisões os catos administrativos provenientes de órgãos singulares, e de deliberações os actos administrativos provenientes de órgãos colegiais.
No entanto, Diogo Freitas do Amaral defende que, actualmente e à luz da nova concepção de ato administrativo como decisão contida no CPA, se adopte uma perspectiva diferente. Assim, para o autor as decisões são todos os actos administrativos (cfr. CPA, art. 120º), enquanto as deliberações são apenas as decisões tomadas por órgãos colegiais (uma vez que existem regras especiais que regulam o funcionamento dos órgãos colegiais e, em particular, o procedimento especial pelo qual esses órgãos tomam decisões – procedimento deliberativo).
Neste ponto, a terminologia mais correta à luz do CPA é: todos os actos administrativos são decisões. 
- Se forem praticados por órgãos singulares, são decisões «tout court», ou decisões individuais; 
- Se forem praticados por órgãos colegiais, serão decisões colectivas.

B - Actos Simples e Actos Complexos

    Ainda quanto ao autor, os actos administrativos podem ser actos simples ou actos complexos. Nesse sentido, chamam-se actos simples aqueles que provêm de um só órgão administrativo, e actos complexos aqueles em cuja feitura intervêm dois ou mais órgãos administrativos.
    A complexidade dos actos pode ser igual ou desigual: diz-se igual quando o grau de participação dos vários autores na prática do ato é o mesmo – este nível de complexidade corresponde, então, à co-autoria. Ex.: despacho conjunto de dois Ministros.
  Noutra via, diz-se que há complexidade desigual quando o grau de participação dos vários intervenientes não é o mesmo. Ex.: um ato ministerial que deva, por lei, revestir a forma de decreto, carece de promulgação por parte do PR e de referenda dessa mesma promulgação por parte do PM.       Ora, estes dois órgãos participam na elaboração daquele ato, como garantes, isto é, como co-responsáveis e não co-autores. O ato é da responsabilidade do Ministro: o PR e o PM têm uma intervenção extrínseca, meramente formal – assinam, mas não são os autores materiais do ato.
Esta distinção é importante por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, para efeitos de revogação- A lei diz que esta deve ser feita pelo autor do ato (cfr. CPA, art. 142º, nº1); logo, se a revogação for possível ou necessária, quem tem de tomar a iniciativa de a decidir é o Ministro, e não o PR ou o PM.
Em segundo lugar, para efeitos de impugnação contenciosa- Esta deve ser proposta contra o autor do ato que é, nestes casos, o Ministro competente, e não o PR ou o PM.

2. Quanto aos destinatários
- Actos Singulares, Colectivos, Plurais e Gerais

   Actos colectivos- actos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas;
   Actos plurais- actos em que a Administração Pública toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes;
  Actos gerais- actos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem determinados, ou determináveis no local

3. Quanto ao conteúdo
-Actos Administrativos com conteúdo de Direito Público, de Direito Privado ou Duplo

   Esta classificação não é habitual e resulta de um parecer feito por Diogo Freitas do Amaral em 2010. Na opinião do Professor, esta distinção dá lugar a três tipos distintos de actos administrativos.

   a) Numa primeira linha, temos os actos administrativos com conteúdo de Direito Público que, sendo os mais frequentes, se reconduzem aos actos administrativos que fazem aplicação de normas de Direito Administrativo a questões reguladas por este. Ex.: nomeações e exonerações no funcionalismo público, sanções disciplinares administrativas, etc.
   
   b) Paralelamente, temos os actos administrativos com conteúdo de Direito Privado, ou seja, os atos que fazem aplicação de normas de Direito Privado a questões reguladas por este – é o que se passa na generalidade dos casos de “administração pública de direito privado”. Ex.: certidões de registos públicos, actos notariais públicos, cópias autênticas de documentos oficiais depositados em arquivos públicos, etc.

   c) Finalmente, encontramos os actos administrativos com duplo conteúdo, de Direito Administrativo e de Direito Privado. Trata-se aqui de actos administrativos em que, para poder tomar uma decisão da sua competência legal, um órgão da Administração tem de- simultaneamente- fazer aplicação de normas de Direito Administrativo e Direito Privado.
   Esta classificação de actos administrativos consoante o seu conteúdo (ou, por outras palavras, consoante o direito substantivo que regula o seu conteúdo) tem a maior importância prática por três ordens de razões:
- No plano da competência, da forma e do procedimento pré decisório: são aplicáveis as normas de Direito Administrativo adequadas, quer constem de leis administrativas, quer se insiram em diplomas tidos como de direito privado (leis reguladoras dos registos e do notariado);
- No plano do direito substantivo: são aplicáveis as normas de Direito Administrativo ou as normas de Direito Privado que forem pertinentes à matéria em causa;
- No plano da impugnação contenciosa dos actos: os tribunais competentes são, em regra, os tribunais administrativos, salvo se a lei especial atribuir essa competência aos tribunais comuns (como acontece quanto aos actos dos oficiais do registo e do notariado); se a entidade administrativa que tiver praticado o ato decidir nele, a título principal ou incidental, uma ou mais questões de direito privado, estas podem ser levadas à apreciação dos tribunais comuns competentes em razão da matéria.

4. Quanto aos Efeitos

A- Actos de Execução Instantânea e Actos de Execução Continuada

    Diz-se ato de execução instantânea aquele cujo cumprimento se esgota num só momento, através de um ato ou facto isolado. Ex.: decisão de encerrar um estabelecimento comercial, ordem de despejo dada por uma câmara municipal relativamente aos inquilinos de um prédio que ameaça ruir.
    Noutra via, um ato considera-se de execução continuada quando a sua execução perdura no tempo.     Pode tratar-se de uma actividade de natureza contínua, de um comportamento constante, ou de uma série de actos ou factos sucessivos. Ex.: autorização para o exercício de uma atividade, licença para a instalação de uma determinada indústria, concessão de uso privativo de um bem do domínio público.
    A importância prática desta distinção prende-se, com efeito, com o regime da revogação não ser o mesmo para ambos os tipos de actos. 
      - Mormente, um ato de execução instantânea que tenha já sido executado não pode, em princípio, ser revogado, porquanto esta figura está destinada a paralisar definitivamente a eficácia atual ou potencial de um ato administrativo, e não a destruir os efeitos por ele produzidos. Por isso mesmo, o uso de poderes revogatórios cinge-se apenas aos actos de execução continuada, porquanto têm uma eficácia duradoura, enquanto eficazes, ou aos actos de eficácia instantânea, enquanto não sejam executados.

B- Actos Positivos e Negativos

    Consideram-se actos positivos aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica. 
Ex.: uma nomeação, uma demissão, uma autorização.
   Noutra linha, têm-se como actos negativos aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica. 
Ex.: há três exemplos típicos destes actos: a omissão de um comportamento devido, o silêncio voluntário perante um pedido apresentado por um particular à Administração e o indeferimento expresso de uma pretensão apresentada.

   Tal como no regime dos actos anteriormente dispostos, esta distinção releva para efeitos de revogação. Com efeito, uma vez anulado ou revogado um ato administrativo, as consequências serão distintas consoante se trate de um ato positivo ou de um ato negativo:

- A destruição de um ato positivo acarreta a eliminação dos efeitos dele decorrentes;

- A destruição de um ato negativo implica a necessidade de praticar os actos positivos que por lei deviam ter sido praticados e, ilegalmente, não o foram.

    Uma última nota para ressalvar que existem actos administrativos que podem ser, simultaneamente, actos administrativos positivos e negativos: é o caso dos actos misto ou de duplo efeito. 
Ex.: um aluno universitário solicita à Administração uma bolsa e estudo mensal de €500; a Administração concede-lhe apenas metade. A decisão teve um duplo efeito: em parte positivo – atribuição €250 – e em parte negativa – recusa da atribuição dos outros €250.



10- Invalidade do Acto Administrativo e Consequências






















Bibliografia:


Wolfgang Stein, Joachim- "Acto administrativo complexo"

Figueiredo Dias, José Eduardo- "Noções fundamentais de Direito Administrativo"

Freitas do Amaral, Diogo- "Curso de Direito Administrativo II"

Rodrigues Queiró, Afonso - "A função administrativa"

Rebelo de Sousa, Marcelo- "Direito Administrativo Geral"

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b4d3beaca855f2388025716200326233?OpenDocument


Nota importante: os artigos ainda são anteriores à revisão- irei actualizá-los logo que possível

- peço desculpa pela qualidade das imagens mas fiz os esquemas e quadros no word e a forma que arranjei para transferi-los para aqui foi por print screen


Raquel da Fonseca Simões Correia
nº 21797

Resolução Caso prático 15


   Um vereador da Câmara Municipal de Praia Formosa, município com 5.000 eleitores, aprovou, ao abrigo de uma subdelegação de poderes, o projecto de obras apresentado por Bento- seu amigo e vizinho- para a ampliação duma garagem, concedendo licença para, por cima desta, se construir um andar.       
Seis meses depois de se terem iniciado as obras, um outro vizinho, Carlos, verifica que há uma antiga postura municipal ainda em vigor exigindo que as garagens das zonas dos quarteirões contíguos à praia- como era o caso de Bento- sejam cobertas apenas por terraços, não podendo ter qualquer outra edificação por cima.  
Carlos descobre também que na reunião da Câmara onde se discutia a proposta de delegar aqueles poderes no Presidente estiveram presentes apenas três membros do órgão colegial: o Presidente e dois vereadores, sendo um deles aquele em quem o Presidente veio subdelegar.    
Perante estes factos, Carlos recorre para o Plenário da Câmara e, simultaneamente, decide também queixar-se ao Ministro do Ambiente, pedindo-lhe que revogue a licença e ordene à Câmara as diligências necessárias à demolição da obra construída.      Passaram-se já quatro meses e não houve qualquer resposta, seja da Câmara seja da parte do Ministro do Ambiente. 


- Analise todas as situações juridicamente relevantes-

  Atentando ao caso em apreço verificamos diversos actos a analisar, todavia logo no primeiro parágrafo é-nos apontada uma situação que acaba por ser importante descortinar primeiramente.
  Comecemos então por referir a aprovação do projecto (apresentado por Bento) pelo Vereador a partir “de uma subdelegação de poderes”, isto porque demonstra implicitamente que houve, antes, uma delegação- o que acaba por ser confirmado no terceiro parágrafo quando nos é referido “... na reunião da Câmara onde se discutira a proposta de delegar aqueles poderes no Presidente”.
   Assim sendo, o que parece ter acontecido foi: A Câmara delegou poderes no Presidente que, por sua vez, os terá delegado no Vereador- dando então lugar à referida subdelegação ao abrigo da qual este último actuou.

Desta feita temos os seguintes actos:

a) O acto de delegação de poderes feita pela Câmara ao Presidente

b) O acto de subdelegação feita pelo Presidente ao Vereador

c) O acto de aprovação do projecto de Bento, pelo vereador ao abrigo da referida subdelegação

d) O recurso de Carlos para a Câmara

e) A queixa de Carlos para o Ministro do Ambiente


   Uma vez identificados os actos patentes no caso, cumpre analisá-los:

a)   Demonstra-se, quanto ao primeiro acto identificado, necessário atentar aos artigos 33º/1; 35º; 37º e 39º CPA + lei 169/99, 18 setembro, na medida em que: 
    Artigo 33º/1- Câmara municipal terá primeiro de se certificar se tem ou não competência na matéria em causa o que – pelo disposto no artigo 64º/5º a) da lei 169/99- verificamos que tem.  Assim sendo, remetemos ao artigo 35º/1- tendo a câmara a referida competência poderá então delegar o poder de praticar actos da mesma matéria.
    Para tal acto de delegação, atentamos ao artigo 37º e verificamos que existem determinados requisitos que consideraremos, para efeito de resolução, preenchidos. 

      Mas poderá delegar ao Presidente a sua competencia? 
    Atentando ao artigo 65º/1 da lei 169/99 não aparenta haver problema, estando aqui patente uma norma habilitadora- uma vez que a competência não irá incidir sobre nenhuma das exclusões patentes no artigo 65º/1 da lei 169/99. 
     Perante o apontamento de Carlos quanto aos presentes na reunião de proposta de delegação será de atentar às regras do quórum.  Assim sendo devemos verificar o disposto nos artigos 57º/1 e 2 f) da lei 169/99 + artigo 22º CPA- resultando daqui que a Câmara terá para além do Presidente, e atentando aos seus 5.000 eleitores referidos no caso, quatro vereadores. Desta feita e de acordo com o artigo 89º/1 da lei 169/99 teria, de forma a reunir e deliberar, de estar presente a maioria do número legal de membros.
    Sendo então necessário um total de 5 membros teriam de estar presentes 3, estando satisfeita a regra do quórum.
    Também neste sentido, para termos uma deliberação aprovada, temos alguns requisitos (artigo 89º/2 da lei 169/99)- uma vez que nada nos é indicado no caso para chegarmos à conclusão dos votos, iremos mais uma vez para efeito de solução considerar que tudo correu de forma a termos uma deliberação que possamos considerar como aprovada.
    Quando no caso nos é dito “sendo um deles aquele em quem o Presidente veio a subdelegar” somos conduzidos obrigatoriamente para uma questão: Princípio da Imparcialidade. Haverá algum impedimento, escusa ou suspeição que leve ao vereador não poder vir a ser subdelegado ou que não devesse ter, desde logo, ter participado na votação para a delegação no Presidente? Será de atentar aos arttigos 44º e 48º CPA.
   Quando falamos em impedimento, suspeição e escusa remetemos a mecanismos que servem precisamente para prevenir a violação do princípio da imparcialidade. Mais concretamente: sistema de impedimentos (que diz que x pessoa não pode ser juiz de um processo em que tenha ligações pessoais com uma das partes interessadas- mecanismo obrigatório); pedido de escusa (em que é o próprio sujeito, decisor, pode afastar-se do processo por sua própria decisão- este mecanismo não é obrigatório por lei mas o decisor pode lançar mão dele se quiser) e, por fim, o de suspeição legal (que é um mecanismo que está na lei e que não proibindo, impõe especiais deveres de cautela quando há fundadas razões para crer que o decisor tem directa ou indirectamente interesse na causa). 
    No caso não parece haver algo que leve a crer que se tenha verificado alguma destas situações, pelo que consideraremos (mais uma vez para efeitos de solução) que não existiu nenhuma razão para impedir o vereador de participar na deliberação ou/e que o levasse a um impedimento da subdelegação que posteriormente vimos que ocorreu. 
(Seria também necessário atentar ao artigo 36º/1 CPA)


b)  Será de atentar aos artigos 39º CPA + 65º/2 + 69º/2 da lei 169/99.
    Tal como vimos anteriormente, se a câmara tinha competência na matéria em causa para delegar será também de verificar se o delegado tem- uma vez que  delegou os poderes de que foi investido, no vereador. Atentando aos referidos artigos verificamos que as competências do Presidente podiam ser subdelegadas  num dos vereadores e, como tal, é o vereador competente para conceder a licença.       Todavia, no caso é-nos referida a existência de uma “postura municipal ainda em vigor” que apenas permite que em cima das garagens existam terraços. 

    Por postura municipal dever-se-à entender um regulamento administrativo municipal (regulamento municipal da urbanização e edificação) que, ao que parece não foi respeitada. Trata-se de um regulamento que deverá, sempre, ser acompanhado/observado pelos actos administrativos.
Afigura-se então a consequente aplicação do artigo 135º CPA- uma vez que estamos perante uma violação de lei que irá gerar consequente e obrigatoriamente a aplicação do regime da anulabilidade. 

 ---- diferença entre regulamento e acto ----
    Enquanto que um acto administrativo é individual quanto ao sujeito e concreto quanto ao objecto (ex.: se a administração defere ou indefere um regulamento no que lhe foi dirigido por um estudante com vista a obter uma bolsa de estudo para alunos desfavorecidos), um regulamento afigura-se geral quanto aos sujeitos e abstracto quanto ao objecto (ex.: se a administração, a partir de regulamento, fixa as condições de concessão de bolsas de estudo a alunos economicamente desfavorecidos.)- Neste caso, a Administração ignora, em concreto, quem são os seus destinatários e vai aplicar-se, sempre, que se verifique a existência de um caso de aluno desfavorecido).


c)  Questão imperativa: poderia o particular recorrer directamente para o órgão deliberativo e soberano (plenário) da Câmara Municipal?
    Primeiramente, cabe referir que estamos perante a matéria das garantias dos particulares que consistem, precismanete, nos meios criados pela ordem jurídica que atribui aos particulares certos poderes jurídicos, protegendo-os contra abusos e ilegalidades da Administração Pública. Ou seja que têm como finalidade evitar ou sancionar tanto as violações do direito objectivo (garantias preventivas ou repressivas) como ofensas dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares (garantias de legalidade ou dos particulares) pela Administração Pública. 
     Esta segunda classificação indicada (que tem então como objectivo principal defender a legalidade objectiva contra os actos ilegais da Administração Pública ou, defender direitos subjectivos  e interesses legítimos dos particulares contra a actuação da Administração pública que os violem) divide-se em:

1. Garantias políticas

2. Garantias jurisdicionais

3. Garantias administrativas (garantias a efectivar através dos órgãos da Administração Pública- na qual nos encontramos no caso)

    Dentro das garantias administrativas em que nos encontramos temos 2 categorias a ter em conta: garantias petitórias (direito de petição; de representação; de queixa; de denúncia e de oposição administrativa) e garantias impugnatórias (reclamação; recurso hierárquico; recurso hierárquico impróprio e recurso tutelar). É precisamente na segunda categoria de garantias administrativas que nos devemos debruçar quanto à questão em apreço- posto que o acto administrativo já foi praticado e o particular, Carlos, pretende impugná-lo perante autoridades da própria Administração pública.

   De entre as espécies mencionadas encontramo-nos perante um recurso hierárquico impróprio

   - Porquê impróprio e não mero recurso hierárquico? Porque enquanto que o recurso hierárquico remete a uma impugnação feita perante o superior hierárquico do autor do acto impugnado, o recurso hierárquico impróprio remete a quando a impugnação é feita perante autoridades administrativas que não são superiores hierárquicos do autor do acto, mas que são órgãos da mesma pessoa colectiva e que exercem sobre o autor do acto impugnado poderes de supervisão (lembremo-nos que no caso temos poderes subdelegados- o órgão delegante tem poderes de supervisão sobre o órgão delegado)-artigo 176º CPA.
    
    Assim, a resposta à pergunta inicial desta alínea será terminantemente positiva até pelo disposto no artigo 65º/6 da lei 169/99. 

    O segundo ponto a ser abordado será o decorrer dos 4 meses sem ter o particular, Carlos, recebido qualquer tipo de resposta (por parte da Câmara- nesta alínea é o que interessa). De acordo com o artigo 65º/7 da lei 169/99 a Câmara tinha 30 dias, já devendo ter respondido. 
   Uma vez que a Câmara não se pronuncia sobre a constatação do particular, afigura-se importante referir o papel do silêncio.

    Antes do CPTA, aplicavam-se os artigos 108º e 109º tendo a Administração pública 90 dias para responder ao pedido de um particular. Dava-se um valor negativo à omissão da Administração pública (ao silêncio desta), considerando-se um indeferimento tácito (artigo 109º/1 CPA) sendo permitido ao particular impugnar o acto tácito em recurso contencioso de anulação. 

   Hoje em dia, depois da reforma, temos: artigo 67º/1 a) + artigo 59º/4 CPTA. Um particular, quando há omissão por parte da Administração pública, pode intentar (durante o período de 3 meses) uma acção de condenação da Administração pública à prática do acto devido (artigo 66ºss CPTA).          Passa a ter esta garantia, não fazendo portanto sentido falar em indeferimento tácito. 
    O artigo 109º foi revogado tácitamente pelo CPTA depois da reforma, passando apenas a poder existir deferimento tácito. 

    Contudo, no fundo, o que o particular quer - e o que terá de facto utilidade- não é tanto que o Tribunal Administrativo condene a Câmara à emissão do acto mas sim que a licença seja anulada.            Desta feita, e não obstante o recurso para o plenário que o particular fez previamente (que em nada consubstanciaria um problema dada a disposição no artigo 65º/6 da lei 169/99 + 59º/4 CPTA), o que este poderá fazer para assegurar o efeito útil da sua efectiva pretensão será solicitar a impugnação (contenciosa) do acto do vereador quanto ao licenciamento da obra e a sua condenação ao indeferimento do pedido da licença.
    Posto isto, o prazo para reagir por meio contencioso fica suspenso durante 30 dias (tal como referido anteriormente- artigo 65º/7 da lei 169/99) para a Câmara deliberar sobre o recurso. Após o decorrer desse prazo, e como dispõe o artigo 58º/2 b) CPTA, o particular terá 3 meses para utilizar a acção administrativa especial e impugnar a licença emitida pelo vereador. 
     Já decorridos os 4 meses desde a apresentação do recurso, Carlos está no limiar/limite do termo do prazo para apresentar acção administrativa especial com um pedido de impugnação do acto de licenciamento, tendo de o fazer com a maior brevidade possível. 

-----Diferença entre Licença e Autorização---- 

     Licença- remete a um acto pelo qual um órgão da Administração pública atribui a alguém o direito de exercer uma actividade privada que é por lei, relativamente proibida. O particular não é titular de um direito.
     
   Autorização- remete a um acto pelo qual a administração permite a alguém o exercício de certo direito ou competência pré-existente. O particular é titular de um direito. 


d)   Questão: Seria da competência deste Ministro a matéria da tutela quanto a autarquias locais?              Atentando à lei orgânica do Governo (Dl 86º A/2011, 12 setembro- artigos 3º/7 e 10º) e à lei do regime jurídico da tutela administrativa (lei 27/96 de 1 agosto- artigo 5º) verificamos que os poderes de tutela sobre os poderes de tutela sobre as autarquias locais estão distribuídos pelo Ministro das Finanças e pelo Ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Posto isto, não se reconhece competência ao Ministro do ambiente para o efeito.
     Caso o Ministro do ambiente praticasse um qualquer acto administrativo no sentido requerido pelo particular, esse acto seria dotado do vício de incompetência absoluta- porque como já referido é a outro ministério que competem tais actuações.

    Neste sentido, o desvalor jurídico em causa seria o da Nulidade, decorrente do artigo 133º/2 g) CPA.
    Atentando aos artigos 2º e 3º da lei 27/96 de 1 agosto, mesmo que o particular se tivesse queixado ao ministério competente (já referido anteriormente), seria apenas o papel deste- perante as autarquias locais- o de fiscalizar a legalidade mediante inspecções/inquéritos e sindicâncias.
   Nunca tendo competência para revogar actos praticados por uma autarquia local e, ainda, emitir ordem de demolição da construção em causa. 



Bibliografia:

Figueiredo Dias, José Eduardo- "Noções fundamentais de Direito Administrativo"

Freitas do Amaral, Diogo- "Curso de Direito Administrativo II"

Rodrigues Queiró, Afonso - "A função administrativa"

Livro de casos práticos AAFDL, edição 2002



Nota importante: não está de acordo com a revisão do Código (para a semana, já tendo o código, altero e retiro esta nota)




Raquel da Fonseca Simões Correia
nº 21797

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A vaexata quaestio dos conceitos indeterminados



     Uma das coisas que aprendemos rapidamente na cadeira de direito administrativo é que a Administração Pública está subordinada à lei. A lei é critério, fundamento e limite da actuação administrativa. Trata-se portanto do princípio da legalidade, um corolário do Estado de Direito democrático (art. 3 nº2). O artigo 266 da CRP diz-nos que a Administração está subordinada à lei e à constituição, como prova do que foi dito também. Não obstante, pode acontecer que a lei não densifique totalmente a normatividade dos casos a que se aplica ou por se verificar limitações intrínsecas ao próprio poder legislativo, isto é impossibilidade de criar normas que atendam a todas as situações da vida, ou meramente por uma questão de conveniência a fim de se atender com as melhores soluções ao caso concreto (princípio da descentralização – art. 6 nº 1 e 267 nº2).


     Resumindo, umas vezes a lei é totalmente precisa e totalmente vinculativa, noutras não, atribuindo discricionariedade à Administração. Assim, podemos dizer que lei tanto pode vincular totalmente a Administração, não admitindo desvios àquilo que é a previsão e a estatuição da norma, e como tal a sua não observância é sempre sindicável por parte dos tribunais, como pode, por outro lado, não ser totalmente vinculativa deixando à Administração uma margem de autonomia à qual se chama discricionariedade. Mesmo nos casos em que a lei atribui discricionariedade à Administração as decisões tem sempre a lei como critério e por isso são sindicáveis, aqui em menor grau do que nas decisões vinculadas, ainda assim, a actuação tem sempre de respeitar os princípios jurídico-administrativos.


     Em bom rigor diríamos que a discricionariedade nunca é total, como também a vinculação nunca é total, ela é no fundo um poder-dever jurídico onde a margem de apreciação que de que goza Administração está limitada não só pelo fim legal mas também pelos princípios administrativos (Igualdade, Imparcialidade, Justiça, proporcionalidade) não se confundindo no nosso entender com alguma espécie de liberdade.


     Recapitulando, a discricionariedade só existe na medida em que a lei o confere, é a lei que dá à administração a possibilidade de entre várias alternativas possíveis escolher a melhor. Mas então como é que a lei faz isso? Fá-lo precisamente através dos conceitos indeterminados. O legislador utiliza esta técnica legislativa para atribuir discricionariedade à Administração, no fundo para que a norma acompanhe as mudanças sociais e sirva melhor o caso concreto. O legislador já nos vem habituando do uso frequente desta técnica legislativa recorrendo a conceitos de interpretação vaga, tais como “idoneidade”, “aptidão”, “ordem pública”, “segurança pública”, “valor histórico”, “carência”, “crise”, etc. De facto o que a realidade demonstra, no nosso entender, é que o recurso a conceitos indeterminados é de alguma forma inevitável, mas aqui entende-mos isso como algo positivo, sem prejuízo da incerteza que revela assim o próprio conceito e da intenção que lhe subjaz.


     Antes de avançar-mos cabe agora dar uma noção de conceito indeterminado. Conceitos indeterminados, nas palavras de Francisco de Sousa, e da maioria da doutrina, diga-se, são aqueles que se “caracterizam por um elevado grau de indeterminação”. É precisamente esse grau de indeterminação que torna tão difícil a interpretação dos conceitos.






     Procederemos a uma categorização dogmática dos conceitos indeterminados, seguindo a construção do Professor Francisco de Sousa:


1) Reais/empíricos – “são aqueles que referem descritivamente objectos reais ou objectos que de certa forma participam da realidade”, como escreve Francisco de Sousa. Trata-se portanto de conceitos que são preenchidos objectivamente com o auxílio da experiência comum e conhecimento cientifico-técnico.


2) Normativos – aqui o Professor Francisco de Sousa divide-os em duas subcategorias:


a) Normativos stricto sensu – serão aqueles cujo preenchimento se faz com o recurso aos conhecimentos técnico-jurídicos. O Professor Freitas do Amaral aqui diz que se deve fazer uma interpretação sistemática e teleológica, trata-se de situações que se resolvem apenas recorrendo à interpretação e como tal são vinculadas e são mais facilmente sindicáveis.


b) Normativos objectivo-valorativos – aqui exige-se uma conexão com o mundo das normas e com uma valoração social normativa que ainda assim não é eminentemente pessoal.


3) Discricionários – tem-se como conceitos discricionários aqueles que se caracterizam pela autonomia da valoração pessoal, valendo a apreciação, feita por parte do titular do órgão administrativo em causa, como definitiva.






     Sem prejuízo das considerações dogmáticas aqui expendidas vamos referir-nos à sindicabilidade de cada um destas categorias.


     Para o Professor Freitas do Amaral, os conceitos cuja concretização depende apenas de operações de interpretação e subsunção (conceitos reais/empíricos – apesar do Professor não lhes fazer expressa menção – e conceitos normativos stricto sensu) o grau de vinculação é total e por isso sempre sindicáveis por parte dos tribunais. Em relação àqueles conceitos preenchidos com valorações objectivas com recurso às concepções sociais dominantes (conceitos normativos objectivo-valorativos), o Professor defende que é admitida a fiscalização por parte do tribunal da actividade administrativa, ou seja, que na verdade trata-se de um poder vinculado e não de verdadeira discricionariedade uma vez que, ainda que seja concretizado através de valorações, essas não dependem, per si, do titular do órgão decisor. Por último, o Autor, em relação aos conceitos que exigem uma valoração pessoal (conceitos discricionários), por parte dos agentes que o interpretam, diz-nos que em princípio não são controláveis por parte dos tribunais, porque se situarão no âmbito de uma sindicabilidade de mérito e não de mera legalidade (artigos 71 nº 2 e 95 nº 3 CPTA).


     Em nossa opinião, no que toca ao controlo judicial dos actos que tenham por base a interpretação de conceitos indeterminados, entendemos que tal actividade interpretativa será sempre sindicável, muito embora haja certas diferenças dependendo da categoria de conceitos em análise. Podemos dizer que em certos conceitos a sindicância será maior e noutros menor – como no caso dos conceitos que exigem valorações eminentemente pessoais – mas ainda assim estes terão sempre, em ultima análise de respeitar os princípios juridico-administrativos e a ordem jurídica. Aqui ficamos perto da opinião de Vieira de Andrade que nos diz que toda a actividade administrativa está sujeita à reserva total de juridicidade em Estado de Direito Democrático, mesmo aquela parcela que não está pré-determinada e/ou totalmente densificada na lei.






Referencias Bibliográficas:






SOUSA, Francisco de, conceitos indeterminados no Direito Administrativo, Almedina, 1994, Coimbra;


AMARAL, Diogo Freitas, curso de direito administrativo vol. II, edição de 2001, Almedina, 2009, Coimbra;













Trabalho realizado por: Luís Godinho