domingo, 31 de maio de 2015

Acórdão - Simulação de Julgamento

Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa
Processo: 001/2015

Ação administrativa especial de impugnação de Regulamento e Ato Administrativos

Coletivo de Juízes:
- João Couto
- Luís Godinho
- Luís João
- Nélson Chicomba
- Paulino Morais
- Pedro Vieira
- Rafael Lima
- Sónia Fernandes

Autores:
- Feliciano Yanaqué, casado, residente na cidade de Piura, no Perú
- Associação dos Hotéis Históricos de Lisboa, Associação
- Associação dos Restaurantes e Tascas Finas de Lisboa, Associação

Réu:
- Câmara Municipal de Lisboa, com sede nos Paços do Concelho, Praça do Município, 1149-014 Lisboa.

Os Autores, em síntese, ao abrigo do disposto do Nº 2 do Artigo 46º e do Nº1 do artigo 51º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) intentam contra o Réu. Os Autores consideram que têm legitimidade para intentar a ação em apreço, ao abrigo dos Nº 1 e 2 do Artigo 58º do CPTA. Intervirão neste processo, como partes interessadas, as Associações dos Hotéis Históricos de Lisboa e dos Restaurantes e Tascas Finas de Lisboa, ao abrigo do Nº 2 do Artigo 9º e do Artigo 55º do CPTA. Alegam os Autores:

1          Cobrança indevida de uma taxa de um euro no aeroporto de Lisboa. Aquando do primeiro ato de cobrança da taxa de entrada no município de Lisboa no montante de um euro, Feliciano Yanaqué pisou o chão do aeroporto de Lisboa, mas não obteve contrapartida com o pagamento da mesma, não usufruindo de um serviço prestado pois não passou mais do que uns minutos no município de Lisboa, partindo logo para Fátima. Sendo que o Aeroporto Internacional de Lisboa não passa de um mero local de entrada/saída, não pode haver uma imposição coercitiva a título de Taxa Municipal Turística, fixada por um dos Municípios onde, espacialmente, se situa o Aeroporto.

2          Cobrança indevida de uma taxa de cinco euros por 5 dias de estadia na cidade de Lisboa. Quanto ao segundo ato, a cobrança de uma taxa de alojamento de cinco euros, apesar de Feliciano Yanaqué ter ficado hospedado por 5 dias num hotel na cidade de Lisboa, não lhe parece ser aceitável conforme os argumentos apresentados no ponto 1.

3          Violação do princípio da proporcionalidade nos termos do Artigo 18º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) pela taxa não se mostrar necessária nem sequer adequada ao fim a que se destina. Não havendo adequação da aplicação da taxa de entrada ao fim que a mesma pretende atingir, é nula por violação do princípio da proporcionalidade de acordo com o Nº1 do Artigo 143º e pelo Nº1 do Artigo 144.º do CPA. Com base no Nº 2 do Artigo 266º da CRP estamos perante uma violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, por haver uma afetação excessiva da atividade turística, não sendo razoável a criação de uma taxa sobre uma contrapartida já refletida no preço cobrado pela sua estadia. Afigura-se como ilegítima e desproporcional a imposição de uma taxa de entrada na cidade de Lisboa, na medida em que não haja intenção de permanecer no município de Lisboa, o que desqualifica os fundamentos implícitos à criação da taxa de contribuição na preservação, manutenção e desenvolvimento da cidade e pelo usufruto das ofertas e espaços públicos.

4          Violação do princípio da igualdade nos termos do Artigo 13º CRP e do Artigo 6º do CPA no sentido de haver uma discriminação na aplicação destes tributos. A Câmara Municipal de Lisboa liquidou e cobrou uma imposição monetária, que, assente em razões de equidade, deveria ser distribuída por todos os Municípios onde o cidadão não nacional se deslocasse e permanecesse. A taxa imposta pelo município de Lisboa viola o princípio da igualdade imposto no Artigo 13º da CRP ao criar uma descriminação entre os utentes que entram na capital apenas de passagem e aqueles que entram para ficar. Tais situações não podem ser dadas como equivalentes. No caso do Autor, ele apenas ia fretar uma viatura para ir direito a Fátima, não pensando sequer chegar efetivamente a entrar na capital, como erradamente se presumiu.

5          Ausência de notificação, o que viola o disposto na alínea c) do Nº 2 do Artigo 114º do CPA. Esta seria essencial porque os atos em causa afetam direitos e interesses legalmente protegidos bem como as condições para o seu exercício e porque seria o ponto em que o Autor poderia reclamar a validade dos atos em questão. Em ambos os tributos houve deficiências na sua notificação, não respeitando o previsto na alínea c) do Nº 2 do Artigo 114º do CPA. O pagamento deve ter o valor de aceitação do ato para efeitos do Artigo 56º do CPTA, sendo necessário assegurar o acesso à tutela jurisdicional nos termos do Nº 4 do Artigo 268º da CRP e do Artigo 2º do CPTA.

6          Incompetência para o estabelecimento da taxa, por via da imposição do princípio da legalidade (Artigo 226, Nº 2 da CRP, Artigo 3º do CPA e Artigo 45º da Lei das Autarquias Locais – doravante LAL) e em virtude da reserva relativa da Assembleia da República para a criação de impostos, conforme o disposto na alínea i) do Nº 1 do Artigo 165º da CRP. Sendo matéria de reserva relativa da Assembleia da República, a mesma poderá criar impostos ou autorizar o Governo à criação dos mesmos. Na ausência de autorização legislativa a criação do tributo será inconstitucional e não existirá obrigatoriedade do pagamento por força do Nº 3 do Artigo 103º da CRP. No domínio do poder tributário das autarquias locais, a criação de taxas está prevista no Artigo 238º e na alínea n) do Artigo 288º da CRP.

7          Ilegalidade do regulamento camarário que cria a taxa, em virtude da vinculação total da administração ao princípio da legalidade, pelo que tais impostos são desprovidos de sentido legal, por força da alínea k) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA. Na medida em que os impostos criados pelo Governo no âmbito da competência legislativa da Assembleia da República que padeçam de autorização da mesma são inconstitucionais, estamos perante uma ilegalidade de competência bem como perante uma inconstitucionalidade orgânica quanto à sua criação municipal. Aplicar-se-á, deste modo, a alínea b) do Nº 2 do Artigo 59º da LAL, em conjugação com a línea b) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA, resultando na nulidade do ato.
Dispõe o artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 53E/2006 que as taxas são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respetivo, definindo-se, mormente, a forma de liquidação da taxa e a fundamentação legal da isenção. O Regulamento da taxa não contém as fundamentações enunciadas; nem, nos termos Nº 2 do Artigo 136º do CPA, indica expressamente as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão. Omissão que constitui causa de invalidade nos termos do Nº1 do Artigo 143º e do Artigo 144, resultando de anulabilidade do mesmo.

8          Valores cobrados são impostos e não taxas porque o imposto é um ato unilateral na medida em que o Estado não confere a quem paga uma contrapartida direta e imediata; não apresenta carácter de sanção; tem fundamento legal e é definitivo, ou seja, o contribuinte não será reembolsado pelo montante pago. No imposto, o serviço prestado não é suscetível de atribuição individual aos cidadãos (contrariamente com o que acontece com a taxa). No fundo, o imposto consiste numa contribuição imposta a todos ou a uma certa categoria de pessoas de acordo com a sua capacidade contributiva e tem como finalidade financiar o Estado e as funções públicas em geral. A taxa tem que determinar proporcionalidade em relação ao benefício específico proporcionado pelo serviço prestado ou pelo custo suportado pela comunidade com a utilização do bem de domínio público. Não pode, nunca, ser fixado em função da capacidade contributiva revelada pelo indivíduo que a paga. Nos impostos, essa fixação já é possível, ou seja, são pagos em função da capacidade contributiva revelada e não em função do valor do serviço prestado. Estamos perante um imposto travestido de uma taxa, pois não se usufruiu de um serviço concreto numa relação de bilateralidade apenas por utilizar o aeroporto, um bem de domínio público e, por isso, mais suscetível de ser enquadrado como um imposto, onde não existe a prestação de um serviço concreto mas, ao invés, a utilização de um bem do domínio público, numa relação de unilateralidade. Porquanto não se vislumbra da existência de uma relação sinalagmática que se estabelece por via do benefício individualizado auferido por cada turista, nomeadamente pelos serviços de informação e apoio aos turistas, tal taxa é violadora do Nº 2 do Artigo 4º nº 2 da Lei Geral Tributária (doravante LGT). A taxa é ilegal por carecer de fundamento nos termos da alínea k) do Nº2 do Artigo 161º do CPA e do Artigo 4º da LGT, ou tratando-se de um imposto camuflado, sendo portanto nula por falta de competência do município para a sua criação, por força da alínea b) do Nº 2 do Artigo 161º do CPA, e do Nº 1 do Artigo 25º da LAL e da alínea b) do Nº 2 do Artigo 59º da LAL, uma vez que estes apenas podem ser criados pela Assembleia da República conforme a alínea i) do Nº1 do Artigo 165º da CRP.

9          Da Ilegalidade da cobrança por violação do Direito da União Europeia, nomeadamente do Direito de Livre Circulação no território dos Estados-Membros. Não sendo que esta taxa tenha como justificação razões de ordem, segurança ou saúde pública sendo ilegal a fixação das mesmas a nível municipal. A legislação da União Europeia proíbe a discriminação em razão da nacionalidade. Tal aplica-se às discriminações ostensivas em razão da nacionalidade e, salvo justificação em contrário, às formas dissimuladas. Nos termos do Nº1 do Artigo 144º do CPA são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com direito da União Europeia, nomeadamente os Artigo 18º e seguintes do Tratado de Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).


Notificados os Réus, os mesmos respondem, invocando:

1          As taxas visam facilitar ou dificultar, desfavorecendo o uso imoderado, o acesso aos serviços públicos e proceder à justa distribuição dos encargos públicos. Tendo uma finalidade compensatória, pois visam a compensação da prestação, são cobradas em três situações:
Pela utilização de bens de domínio público;
Pela obtenção de um serviço público;
Pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da atividade privada.
Neste caso em particular, foi utilizado um bem de domínio público, pelo facto de os dois turistas terem estado alojados num hotel e por terem visitado a cidade, utilizando obrigatoriamente as suas infraestruturas.

2          A criação das taxas visa a qualificação urbanística, territorial e ambiental, como refere o Nº1 do Artigo 5º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro, sendo a fixação do valor das taxas da competência da Câmara Municipal, conforme a alínea a) do Nº2 do Artigo 8º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro.

3          As taxas devem ser fixadas de acordo com o princípio da proporcionalidade, como consta do Nº1 do Artigo 4º da LAL. O princípio da proporcionalidade, previsto no Nº1 do Artigo 266º da CRP e no artigo 7º, Nº1 do CPA, é salvaguardado com os benefícios recebidos em troca do pagamento das taxas que irá contribuir para o melhoramento das infraestruturas públicas da cidade.

4          A taxa municipal sobre o alojamento é de um euro por noite e a taxa de entrada por via aérea, cobrada no aeroporto é também de um euro, valores baixos comparados aos de outras cidades europeias, que também aplicam taxas aos turistas, como contrapartida das infraestruturas oferecidas pela cidade, só estando em aplicação a taxa de pernoita, pois a taxa do aeroporto vai ser assumida na sequência de acordo celebrado com a autarquia pela empresa Voa, Voa – Aeroporto de Lisboa.

5          As taxas foram criadas segundo o Nº 4 do Artigo 238º da CRP, sendo taxas administrativas de carácter sinalagmático, por serem tributos bilaterais. Os turistas, ao fazerem o pagamento das referidas taxas, beneficiam em troca das infraestruturas oferecidas pela cidade. Segundo a alínea b) do Nº1 do Artigo 25º da LAL, compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, aprovar as taxas do município e fixar o respetivo valor, conforme o Nº 1 do Artigo 8º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais. Segundo o Nº 1 do Artigo 36º do CPA, a competência é definida por lei ou por regulamento, pelo que nos termos da alínea b) do Artigo 3º da LAL, o planeamento é uma atribuição das Autarquias Locais, sendo que, nos termos da alínea c) do Nº1 do Artigo 33º, é da competência da Câmara Municipal a elaboração do seu orçamento. Os municípios podem criar taxas, nos termos do regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, no Nº2 do Artigo da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro.

6          A primeira taxa de um euro, pela entrada em Lisboa, tem como objetivo promover o turismo investindo esse valor na melhoria das infraestruturas, pontos de interesse cultural, histórico, gastronómico. A segunda taxa de cinco euros tem como contraprestação as infraestruturas oferecidas pela cidade e todos os custos que a Autarquia de Lisboa acarreta implicitamente com a estadia de turistas.

7          Apesar da alínea i) do Nº1 do Artigo 165º da CRP dizer que é da competência relativa da Assembleia da República a criação de impostos e regime geral das taxas, o Artigo Nº 241 da CRP vem dizer que as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio e ainda o Nº 4 do Artigo 238º diz que as autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na Lei.

8          Segundo a alínea b) do Nº1 do Artigo 25º da Lei n.º 75/2013, compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, aprovar as taxas do município e fixar o respetivo valor. O Nº1 do Artigo 8º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais estabelece que estas são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respetivo.

9          Segundo o Artigo 3.º da Lei Nº 53-E/2006, as taxas das autarquias locais tratam-se de tributos que assentam na contraprestação, sinalagmática, pecuniária, associada a um serviço ou benefício proporcionado por uma Entidade Pública mais que não seja a utilização das estradas da autarquia e das infraestruturas do aeroporto como se verificou.

10        A liquidação e cobrança de uma taxa, como ato administrativo que é, está sujeito ao princípio da igualdade e da proporcionalidade. A igualdade de tratamento entre cidadãos nacionais e estrangeiros (Artigo 13º da CRP) não é colocada em causa pela aplicação de uma taxa por ser a mesma, por definição uma contraprestação, ou seja dela advirá um benefício direto para o cidadão estrangeiro.

11        Em relação à cobrança a estrangeiros alega-se o princípio da discriminação positiva.

12        O princípio da igualdade presente no Artigo 13º da CRP não foi violado, assim como as disposições do Artigo 15º da CRP foram respeitadas. O ato administrativo em questão caracteriza-se por impositivo e de plena obrigatoriedade para qualquer particular, sendo que decorre do Nº 1 do Artigo 15º da CRP que cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal estão sujeitos aos deveres e obrigações em vigor. Em suma foi respeitado o princípio da equiparação jurídica.

13        A alegação de violação do princípio da proporcionalidade não se verifica real, na medida em que a taxa foi criada no sentido de cobrir o investimento necessário à manutenção as infraestruturas e sustento do setor turístico de Lisboa, sendo a taxa proporcional ao fluxo de turistas que a cidade alberga.

14        O princípio da razoabilidade também não foi violado, na medida em que os custos são inferiores às vantagens, ao abrigo do Nº 2 do Artigo 266 da CRP.


Apreciando.

Atendendo ao alegado pelas Partes, audição das testemunhas apresentadas e aos documentos juntos aos autos, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos:

1          A 11 de abril de 2015, Feliciano Yanaqué, acompanhado de sua esposa, Gertrudis Yanaqué, aterrou no aeroporto da Portela, em Lisboa, proveniente de Piura, Perú.

2          Aquando da sua chegada ao aeroporto, foi cobrada pela empresa Voa Voa – Aeroporto de Lisboa, uma taxa de entrada no Município, denominada de Taxa Municipal Turística, no montante de um euro.

3          Acompanhado da esposa e dos amigos missionários, dirigiram-se para o Santuário de Fátima, numa viatura previamente fretada, a fim de participar no início das cerimónias religiosas.

4          O Autor aproveitou para, durante a sua estadia em Portugal, conhecer o centro e o norte do país.

5          A 29 de abril, regressa, acompanhado de sua esposa, a Lisboa, tendo nesta permanecido por cinco dias (4 noites) alojado no Hotel Machu Picchu.

6          A 3 de maio, data de regresso a Piura, pelo gerente do Hotel e aquando do pagamento, reparou que na fatura emitida constava uma verba de cinco euros relativa a taxa de alojamento por dormida.


Em termos de matéria de Direito são considerados como necessários de apreciação as seguintes questões:

1          Analisado o Regulamento n.º 2387/15 da Câmara Municipal de Lisboa ficou provado que foram cumpridas todas as formalidades essenciais para a sua elaboração de acordo com o previsto no CPA, nomeadamente consulta pública e audiência dos interessados (Artigos 100º e 101º).

2          O ato administrativo de cobrança encontra-se assim subjacente à emanação daquele regulamento, pelo que tendo em conta que resulta de um ato simples e que se produziria de qualquer forma, a audiência prévia, considerada à luz do CPA uma formalidade essencial, é degradada numa formalidade não essencial. Ademais, conforme aludido no n.º 1, o regulamento que determinou o ato administrativo já foi alvo de audiência dos interessados.

3          Acresce-se que, analisada a prova n.º 1, confirmou-se que as faturas de cobrança das taxas têm alusão ao regulamento que as fundamenta, pelo que se encontra preenchida a formalidade essencial de fundamentação.

4          Assim sendo, tal como o regulamento, também o ato administrativo cumpriu as formalidades essenciais.

5          O cerne da questão passa por averiguar se estamos perante uma competência da Câmara Municipal de Lisboa na criação do regulamento, estando em causa a divergência entre um imposto ou uma taxa.

6          Alega o autor que as taxas são impostos camuflados, uma vez que não estamos perante a presença de uma contraprestação, logo o requisito de sinalagma não está preenchido.

7          Na verdade, a serem qualificáveis de impostos, a sua criação seria constitucionalmente de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República (Artigo 165º, Nº 1, alínea i) da CRP). Dessa forma haveria manifesta inconstitucionalidade quanto à criação do regulamento pela Câmara Municipal.

8          Pelo contrário, sendo consideradas taxas, a Câmara Municipal tem competência na proposta de criação da taxa, dependendo da respetiva aprovação por parte da Assembleia Municipal de Lisboa, conforme se verificou (Artigo 25º, Nº 1, alínea b) da Lei n.º 75/2013), tendo o regulamento norma habilitante.

9          Assim, avaliaremos de seguida a diferença entre imposto e taxa. A doutrina é unânime ao distinguir um tributo do outro, baseando-se no critério da unilateralidade e na bilateralidade, respetivamente, que se baseia na existência ou não de uma contrapartida específica.

10        Alberto Xavier esclarece que as taxas são “a prestação da atividade pública, a utilização do domínio público e a remoção do limite jurídico e por isso estas realidades e a taxa que lhes corresponde encontram-se entre si ligadas por um nexo sinalagmático em termos de uma se apresentar como contrapartida da outra”. Por sua vez, José Manuel da Costa refere que “o imposto é uma prestação coativamente exigida pelo Estado com carácter definitivo, em ordem à prossecução de uma finalidade (maxime financeira) não sancionatória, e à qual não corresponde qualquer contrapartida específica”.

11        Sinalagma implica que ocorra uma correlação entre a prestação administrativa e a taxa, decorrendo do sinalagma a especificidade, a individualização, a proporcionalidade e a exigibilidade.

12        Ao ser individualizada, deverá oferecer ao pagador uma utilidade proporcionada pela entidade a quem é paga, sendo que o pagador tem direito a exigi-la. Ademais, a taxa deverá destinar-se a financiar um serviço público prestado ou a pagar o benefício decorrente da utilização de um bem público. Como tal, a sua receita não pode ser utilizada em outros fins.

13        Surge-nos a questão se a contrapartida deverá equivaler rigorosamente ao montante da taxa. Ora, o princípio da proporcionalidade a que a administração está adstrita, previsto no Nº2 do Artigo 266º CRP, revela a necessidade de correlação mínima entre meios e fins mas tal não deverá implicar uma equivalência rigorosa, sendo que a maioria da doutrina entende que tal constitui uma diferença da ideia de preço de um serviço definido pela tarifa. Como tal será apenas suficiente que não ocorra uma desproporção entre o valor e o benefício.

14        Importa então definir aqui a fronteira entre o imposto e a taxa. O imposto visa financiar despesas públicas em geral, não podendo ser consignados a despesas específicas ou a certos serviços públicos.

15        Já as taxas envolvem três contraprestações: a fruição de um serviço público; a utilização de um bem público ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. É na fruição destes bens que as receitas das taxas deverão ser aplicadas.

16        Posto isto, e tendo em conta o fim do regulamento criado pela Câmara Municipal de Lisboa – melhorar as condições de acesso à cidade e das infraestruturas turísticas que esta oferece –, é de considerar que se encontram preenchidos os requisitos previstos para as taxas, excluindo-se a figura do imposto.

17        Tal como esclarece Marcelo Rebelo de Sousa “trata-se da realização de prestação administrativa, latu sensu, envolvendo prestações stricto sensu de serviço público, fruição de bens de domínio público ou remoção de obstáculo, no atinente quer àquele serviço, quer a esta fruição”.

18        Ainda que a utilização do aeroporto seja exclusivamente para aceder a outras cidades do país, a realidade é que são utilizadas infraestruturas do município, estando estes totalmente ao dispor do utilizador.

19        Assim sendo, ao encontrarmo-nos perante taxas, é constitucional a criação do regulamento pelo município de Lisboa.

20        Comprovada a legalidade do regulamento e do ato, importa agora esclarecer se estamos perante a violação do princípio da igualdade ou se de uma discriminação positiva.

21        A Administração Pública está vinculada ao princípio da igualdade e à não discriminação dos cidadãos (Artigo 266º, Nº 2 da CRP). O princípio da igualdade assenta em dois pilares: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. Estamos perante duas vertentes do princípio da igualdade: a proibição da discriminação e a obrigação da diferenciação.

22        A invocação da discriminação positiva deverá ser afastada, uma vez que não estamos perante medidas compensatórias para um grupo de cidadãos que se encontram numa posição minoritária em relação aos restantes. Não poderá ser comparado dois grupos distintos que usufruem de infraestruturas de forma diferente, no caso a diferenciação entre nacionais e estrangeiros.

23        Acresce o Artigo 6º do CPA que “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

24        A lei fundamental, Artigo 15.º, prevê que os estrangeiros e os apátridas que se encontram ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

25        Ademais, aplica-se à ordem interna a doutrina da União Europeia (Artigo 8º, Nº 4 da CRP), que implica como liberalidade fundamental a livre circulação de pessoas e um tratamento uniforme entre os cidadãos dos Estados-Membros (TFUE).

26        Ora, o regulamento do município de Lisboa aplica a referida taxa apenas a estrangeiros e, dentro desses, os que utilizam o aeroporto de Lisboa como porta de entrada no município.

27        No que diz respeito à utilização do aeroporto, a Câmara Municipal de Lisboa procedeu já à alteração do regulamento após acordo com a empresa Voa Voa – Aeroportos de Lisboa, pelo que fica sanada a violação do princípio da igualdade perante outros cidadãos que utilizem outros meios de acesso ao município.

28        No entanto, mantém-se a distinção no regulamento da cobrança exclusiva a estrangeiros na utilização de infraestruturas hoteleiras do município.

29        Como tal, não está respeitado o princípio de igualdade a que a doutrina interna está sujeita, sendo que nos encontramos perante a violação de princípios fundamentais constantes os Artigos 13º e 15º da CRP.

30        De acordo com o Nº1 do Artigo 143º do CPA, são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia, sendo o seu desvalor a nulidade.

Da análise das matérias de facto e das matérias de Direito conclui-se:

1          É considerado nulo o Regulamento Nº 2387/15 da Câmara Municipal de Lisboa, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, conforme Nº1 do Artigo 162º do CPA, por ser violador do princípio da igualdade.

2          A nada é devido ao autor.
Custas judiciais de acordo com o réu.
Registe e notifique as Partes.


O Coletivo de Juízes:
João Couto, n.º 24000
Luís Godinho, n.º 24834
Luís João, n.º 24679
Nelson Chicomba, n.º 21392
Paulino Morais, n.º 24694
Pedro Vieira, n.º 24730
Rafael Lima, n.º 23144
Sónia Fernandes, n.º 2399

sábado, 30 de maio de 2015


Princípio da Separação de Poderes
De um modo simplista, podemos dizer, que durante o século XVIII o princípio da separação de poderes teve um resultado prático diferente no campo do Direito Administrativo face ao Direito Constitucional.
No âmbito do Direito Constitucional, a separação de poderes, visou retirar o poder legislativo das mãos dos monarcas e seus ministros, passando o mesmo a ser exercido pelo parlamento. Assim, pretendia-se evitar acções arbitrárias e despóticas. Separou-se então o poder Executivo do Legislativo.
No campo do Direito Administrativo, o princípio da separação de poderes visou a separação entre a Administração e a Justiça, ou seja, retirar a função judicial à Administração,  confiando-a apenas aos Tribunais.
Hodiernamente o Princípio da Separação de Poderes está contemplado no art. 111º/2 da CRP e tem como corolários:
Separação dos órgãos administrativos e judiciais 
Incompatibilidade de magistraturas (art. 216º/2 CRP – não acumulação de cargos de funções judiciais e administrativas)
independência recíproca da Administração e da Justiça: A Administração não pode dar ordens à autoridade judiciária nem se pode ingerir nas suas competências, art. 203º e 216º da CRP; não pode o juiz afectar a essência do sistema de administração executiva – não pode ofender a autonomia do poder administrativo, nem a autoridade (característica do acto administrativo) , art. 268º/4 CRP.
No fundo, no direito administrativo, a separação de poderes está vinculada  a duas ideias: à legalidade e ao juiz. A Administração situa-se entre o legislador e o juiz.
Para Locke, a separação de poderes, era a imparcialidadecom o objectivo de assegurar a própria autonomia do jurídico, do direito face ao poder político.
Tão imparcial como o juiz devem ser o poder legislativo e o político. A única forma de estes serem imparciais é estarem separados para que se possam fiscalizar uns aos outros.
Montesquieu torna a separação de poderes mais evidente. Para tal apresenta três divisões de poder: legislativo, executivo e judicial. 
O aspecto que ele aborda na obra o Espírito das Leis, é feito através de uma observação sobre o sistema britânico. Os juízes são a boca que pronunciam a lei. Os juízes não devem ter uma função criativa do direito como tivera o pretor e o iudex. Assim, a lei deveria ser suficientemente clara para esbater esta ideia de interpretação sui generis da lei. 
O poder regulamentar (poder de criar normas entre os espaços do poder administrativo e legislativo) surge como evolução dos procedimentos da Police (a então denominada Administração do século XVIII).
Kelssen defende uma verdadeira separação entre Estado e Direito. Para ele, o poder administrativo é uma forma de criação de direito


Princípio da neutralidade do poder administrativo: o poder político, em termos orgânicos, toma decisões que são vertidas na lei e são cumpridas pelo poder administrativo.
A administração fiscal é o primeiro exemplo histórico da actividade administrativa. A maquina financeira sempre serviu a maquina Estado. 
Esta ideia na neutralidade é defendida no século XX, sobretudo com Max Weber. Trata de pensar a administração como neutra. 
A estrutura da Administração Pública fica, o poder político passa ( o poder administrativo fica o poder constitucional passa). 
Ora, hoje sabemos que não é verdade. Basta olhar para o sistema Americano para perceber que o poder administrativo e um prolongamento do poder político.
Hoje, entendemos que o poder administrativo será um poder público que tem como função assegurar as necessidades colectivas: bem-estar e segurança.
A Administração Pública tem uma vocação para o concreto (ex. conceder ou não uma licença) ao passo que a função político-legislativa tem uma vocação para a universalidade (ex. criar normas gerais e abstractas - as leis medida são excepcionais).
Os tribunais também têm uma vocação para o concreto, tal como a Administração, mas há diferenças entre eles. É aqui entra a separação de poderes. (Ex. A administração não concede uma licença. A seguir, cabe ao juiz, verificar se a decisão foi conforme à lei). No fundo ambos aplicam a mesma lei, mas há uma separação de poderes. A Administração Pública pode criar factos novos, actua por própria incitativa/decisão, ao contrário dos tribunais que não têm vontade.
Claro que nos actos administrativos está sempre um decisão politica (ex. a construção de um pavilhão gimnodesportivo, tem uma iniciativa fundamentalmente política da comunidade.)
Razões para distinguir o poder administrativo do judicial:
o poder administrativo tem de ser legitimado democraticamente
o primeiro objectivo do legislador é assegurar a igualdade, no sentido de garantir que a actividade  administrativa se processa da mesma maneira para todos. 
a Administração tem mecanismos que fiscalizam a própria administração (recursos hierárquicos). Só o poder controla o poder. Esse controlo tem de ser um heterocontrol – heterocontrol do poder judicial. Sem heterocontrol da actividade administrativa não há responsabilidade. É  através dos tribunais que encontramos a verdadeira responsabilização da actividade administrativa.  
Princípio da legalidade
Hoje, este princípio, encontra-se presente no art. 266º/2 CRP. A Administração tem de prosseguir o interesse púbico em obediência à lei. A sua acção é determinada e balizada pela lei. Contudo, a lei não é somente a baliza da actuação da administração. É, sobretudo, o fundamento da acção administrativa, isto é, não há um poder livre de a Administração fazer o quer bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só ode fazer o que a lei estipula.
Vigora o princípio da competência ao passo do princípio da autonomia privada que vigora no Direito privado.
Entende-se que, tanto quando a Administração está a ser ablativa, tanto quando está a dar/conceder, tem de ter sempre uma base legal. O poder administrativo está sempre subjugado à lei. Mesmo quando está em causa administração constitutiva ou de prestação, a Administração só o deve fazer porque está a perseguir interesses públicos que estão definidos por lei.
O princípio da legalidade surge como uma decorrência necessária da separação de poderes, isto é,  um corolário lógico da separação de poderes.
A discricionariedade administrativa também se relaciona com o princípio da separação de poderes.
O princípio da legalidade comporta duas modalidades: a preferência de lei e a reserva de lei.
- Preferência de lei: a lei prevalece sempre perante actos regulamentares. Há uma força de lei negativa (não ser revogada por actos legislativo hierarquicamente inferiores).
Para além da preferência de lei temos a reserva de lei. 
- Reserva de lei é uma reserva de acto legislativo parlamentar ou não parlamentar. Nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade. Reserva de lei parlamentar e reserva de acto legislativo não parlamentar. Nos termos do art. 18º CRP só através da Lei é que se pode legislar sobre direito liberdade e garantias. A questão da reserva de lei, é um problema que incide maioritariamente sobre o Direito Constitucional, uma vez que está em causa a delimitação de fronteiras da competência legislativa do Parlamento e do Governo. Ainda assim continua a ter a ter interesse no campo administrativo a propósito das relações do Legislador e a Administração. Estando vedada ao Governo determinadas matérias (161º e 162º CRP) decorre daí a inadmissibilidade de a Administração regular as matérias reservadas mediante regulamentos independentes. A reserva de lei implica uma especial densidade normativade lei.
- Precedência de lei: a norma tem de ser prévia do poder administrativo. Só assim é compreende que na lei ou na norma esteja o fundamento da actividade administrativa.
- Presunção da constitucionalidade das leis: art. 277º CRP.
- Densificação normativa: proibição de normas em branco (normas legais que se limitassem a estabelecer competências – não existiria a previsibilidade)
Discricionariedade Administrativa
Vem introduzir alguma elasticidade que permite dizer que  a lei é o fundamento da Administração Pública mas que o legislador não pode nem deve prever tudo. O legislador não pode prever o que a AP vai decidir no caso concreto.
Está relacionado com a separação de poderes. Aquilo que cabe ao legislador (o que cabe à função legislativa)  e o que cabe á administrativa. A função administrativa é uma função secundária e subordinada à função legislativa.
Em meados do séc. XX coloca-se  questão: O que pode e deve prever o legislador e aquilo que depois cabe à AP?
A figura da discricionariedade tem sofrido alterações. É mutável.
Em primeiro, cabe já dizer, que a discricionariedade não pode ser entendida como arbitrariedade uma vez que surge no quadro do princípio da legalidade. As margens de opção de escolha da AP têm de ser previstas pelo legislador.
Quando o legislador atribui competências pode fazê-lo de forma diferenciada. Cada vez mais se fala em margens de livre apreciação e de acção. No fundo, serão competências diferenciadas.
É através das normas que prevêem competências, que precisamente o legislador vai conformar esses poderes e determinar a maneira como a AP vai exercer. A competência, em si mesma, está sempre prevista na lei, é vinculada, prevista de forma precisa.
A competência tem dois sentidos: sentido subjectivo(órgão/entidade em que se recai essa competência) e objectivo (quais as competências).
Sempre que o legislador determina uma competência, essa competência é atribuída por lei para a prossecução de fins do interesse público. O fim do interesse público também fica sempre vinculado pelo legislador.
A razão de ser destas margens de exercício prende-se com a separação de poderes e com a questão do legislador prever regimes gerais  e abstractos.  Não prevê todos os casos concretos.
A discricionariedade relaciona-se com a possibilidade de alternativa de escolhas. Estamos a falar da decisão em específico, decisão em si.
Ex. se se verificarem os seguintes pressupostos, o presidente da junta pode atribuir um subsídio de 500 euros. (não há discricionariedade)
Ex. se se verificarem os seguintes requisitos, o presidente da junta pode atribuir o subsídio entre 200 a 500 euros. (o legislador deixa margem, discricionariedade. Porém, o órgão deve tomar a decisão correcta no caso concreto).
Margens de livre apreciação: relaciona-se com a verificação de determinados pressupostos (ex. em caso de urgência, o PCM pode conceder...)
Margem de livre decisão: relaciona-se com a decisão em concreto (o agente pode fazer isto ou aquilo.).
O legislador pode atribuir uma discricionariedade de opção: ex. em determinada situação a administração pode optar por decidir ou não decidir.
Noutro casos pode haver alternativa de escolha(atribuição de subsidio de 200 ou de 300).
Noutros casos há uma margem ainda maior, discricionariedade criativa (ex. ... a administração decidirá de forma adequada...)
A utilização de conceitos vagos e indeterminados diz respeito a qualquer norma jurídica que atribui competências. Umas vezes em relação aos pressupostos, outras vezes em relação à própria decisão em si. O que é necessário é interpretar esses conceitos na norma concreta e em que medida se aplica.

 Maria  Isabel Monteiro 
 Aluna 19413