sábado, 25 de abril de 2015

Resolução Caso prático 15


   Um vereador da Câmara Municipal de Praia Formosa, município com 5.000 eleitores, aprovou, ao abrigo de uma subdelegação de poderes, o projecto de obras apresentado por Bento- seu amigo e vizinho- para a ampliação duma garagem, concedendo licença para, por cima desta, se construir um andar.       
Seis meses depois de se terem iniciado as obras, um outro vizinho, Carlos, verifica que há uma antiga postura municipal ainda em vigor exigindo que as garagens das zonas dos quarteirões contíguos à praia- como era o caso de Bento- sejam cobertas apenas por terraços, não podendo ter qualquer outra edificação por cima.  
Carlos descobre também que na reunião da Câmara onde se discutia a proposta de delegar aqueles poderes no Presidente estiveram presentes apenas três membros do órgão colegial: o Presidente e dois vereadores, sendo um deles aquele em quem o Presidente veio subdelegar.    
Perante estes factos, Carlos recorre para o Plenário da Câmara e, simultaneamente, decide também queixar-se ao Ministro do Ambiente, pedindo-lhe que revogue a licença e ordene à Câmara as diligências necessárias à demolição da obra construída.      Passaram-se já quatro meses e não houve qualquer resposta, seja da Câmara seja da parte do Ministro do Ambiente. 


- Analise todas as situações juridicamente relevantes-

  Atentando ao caso em apreço verificamos diversos actos a analisar, todavia logo no primeiro parágrafo é-nos apontada uma situação que acaba por ser importante descortinar primeiramente.
  Comecemos então por referir a aprovação do projecto (apresentado por Bento) pelo Vereador a partir “de uma subdelegação de poderes”, isto porque demonstra implicitamente que houve, antes, uma delegação- o que acaba por ser confirmado no terceiro parágrafo quando nos é referido “... na reunião da Câmara onde se discutira a proposta de delegar aqueles poderes no Presidente”.
   Assim sendo, o que parece ter acontecido foi: A Câmara delegou poderes no Presidente que, por sua vez, os terá delegado no Vereador- dando então lugar à referida subdelegação ao abrigo da qual este último actuou.

Desta feita temos os seguintes actos:

a) O acto de delegação de poderes feita pela Câmara ao Presidente

b) O acto de subdelegação feita pelo Presidente ao Vereador

c) O acto de aprovação do projecto de Bento, pelo vereador ao abrigo da referida subdelegação

d) O recurso de Carlos para a Câmara

e) A queixa de Carlos para o Ministro do Ambiente


   Uma vez identificados os actos patentes no caso, cumpre analisá-los:

a)   Demonstra-se, quanto ao primeiro acto identificado, necessário atentar aos artigos 33º/1; 35º; 37º e 39º CPA + lei 169/99, 18 setembro, na medida em que: 
    Artigo 33º/1- Câmara municipal terá primeiro de se certificar se tem ou não competência na matéria em causa o que – pelo disposto no artigo 64º/5º a) da lei 169/99- verificamos que tem.  Assim sendo, remetemos ao artigo 35º/1- tendo a câmara a referida competência poderá então delegar o poder de praticar actos da mesma matéria.
    Para tal acto de delegação, atentamos ao artigo 37º e verificamos que existem determinados requisitos que consideraremos, para efeito de resolução, preenchidos. 

      Mas poderá delegar ao Presidente a sua competencia? 
    Atentando ao artigo 65º/1 da lei 169/99 não aparenta haver problema, estando aqui patente uma norma habilitadora- uma vez que a competência não irá incidir sobre nenhuma das exclusões patentes no artigo 65º/1 da lei 169/99. 
     Perante o apontamento de Carlos quanto aos presentes na reunião de proposta de delegação será de atentar às regras do quórum.  Assim sendo devemos verificar o disposto nos artigos 57º/1 e 2 f) da lei 169/99 + artigo 22º CPA- resultando daqui que a Câmara terá para além do Presidente, e atentando aos seus 5.000 eleitores referidos no caso, quatro vereadores. Desta feita e de acordo com o artigo 89º/1 da lei 169/99 teria, de forma a reunir e deliberar, de estar presente a maioria do número legal de membros.
    Sendo então necessário um total de 5 membros teriam de estar presentes 3, estando satisfeita a regra do quórum.
    Também neste sentido, para termos uma deliberação aprovada, temos alguns requisitos (artigo 89º/2 da lei 169/99)- uma vez que nada nos é indicado no caso para chegarmos à conclusão dos votos, iremos mais uma vez para efeito de solução considerar que tudo correu de forma a termos uma deliberação que possamos considerar como aprovada.
    Quando no caso nos é dito “sendo um deles aquele em quem o Presidente veio a subdelegar” somos conduzidos obrigatoriamente para uma questão: Princípio da Imparcialidade. Haverá algum impedimento, escusa ou suspeição que leve ao vereador não poder vir a ser subdelegado ou que não devesse ter, desde logo, ter participado na votação para a delegação no Presidente? Será de atentar aos arttigos 44º e 48º CPA.
   Quando falamos em impedimento, suspeição e escusa remetemos a mecanismos que servem precisamente para prevenir a violação do princípio da imparcialidade. Mais concretamente: sistema de impedimentos (que diz que x pessoa não pode ser juiz de um processo em que tenha ligações pessoais com uma das partes interessadas- mecanismo obrigatório); pedido de escusa (em que é o próprio sujeito, decisor, pode afastar-se do processo por sua própria decisão- este mecanismo não é obrigatório por lei mas o decisor pode lançar mão dele se quiser) e, por fim, o de suspeição legal (que é um mecanismo que está na lei e que não proibindo, impõe especiais deveres de cautela quando há fundadas razões para crer que o decisor tem directa ou indirectamente interesse na causa). 
    No caso não parece haver algo que leve a crer que se tenha verificado alguma destas situações, pelo que consideraremos (mais uma vez para efeitos de solução) que não existiu nenhuma razão para impedir o vereador de participar na deliberação ou/e que o levasse a um impedimento da subdelegação que posteriormente vimos que ocorreu. 
(Seria também necessário atentar ao artigo 36º/1 CPA)


b)  Será de atentar aos artigos 39º CPA + 65º/2 + 69º/2 da lei 169/99.
    Tal como vimos anteriormente, se a câmara tinha competência na matéria em causa para delegar será também de verificar se o delegado tem- uma vez que  delegou os poderes de que foi investido, no vereador. Atentando aos referidos artigos verificamos que as competências do Presidente podiam ser subdelegadas  num dos vereadores e, como tal, é o vereador competente para conceder a licença.       Todavia, no caso é-nos referida a existência de uma “postura municipal ainda em vigor” que apenas permite que em cima das garagens existam terraços. 

    Por postura municipal dever-se-à entender um regulamento administrativo municipal (regulamento municipal da urbanização e edificação) que, ao que parece não foi respeitada. Trata-se de um regulamento que deverá, sempre, ser acompanhado/observado pelos actos administrativos.
Afigura-se então a consequente aplicação do artigo 135º CPA- uma vez que estamos perante uma violação de lei que irá gerar consequente e obrigatoriamente a aplicação do regime da anulabilidade. 

 ---- diferença entre regulamento e acto ----
    Enquanto que um acto administrativo é individual quanto ao sujeito e concreto quanto ao objecto (ex.: se a administração defere ou indefere um regulamento no que lhe foi dirigido por um estudante com vista a obter uma bolsa de estudo para alunos desfavorecidos), um regulamento afigura-se geral quanto aos sujeitos e abstracto quanto ao objecto (ex.: se a administração, a partir de regulamento, fixa as condições de concessão de bolsas de estudo a alunos economicamente desfavorecidos.)- Neste caso, a Administração ignora, em concreto, quem são os seus destinatários e vai aplicar-se, sempre, que se verifique a existência de um caso de aluno desfavorecido).


c)  Questão imperativa: poderia o particular recorrer directamente para o órgão deliberativo e soberano (plenário) da Câmara Municipal?
    Primeiramente, cabe referir que estamos perante a matéria das garantias dos particulares que consistem, precismanete, nos meios criados pela ordem jurídica que atribui aos particulares certos poderes jurídicos, protegendo-os contra abusos e ilegalidades da Administração Pública. Ou seja que têm como finalidade evitar ou sancionar tanto as violações do direito objectivo (garantias preventivas ou repressivas) como ofensas dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares (garantias de legalidade ou dos particulares) pela Administração Pública. 
     Esta segunda classificação indicada (que tem então como objectivo principal defender a legalidade objectiva contra os actos ilegais da Administração Pública ou, defender direitos subjectivos  e interesses legítimos dos particulares contra a actuação da Administração pública que os violem) divide-se em:

1. Garantias políticas

2. Garantias jurisdicionais

3. Garantias administrativas (garantias a efectivar através dos órgãos da Administração Pública- na qual nos encontramos no caso)

    Dentro das garantias administrativas em que nos encontramos temos 2 categorias a ter em conta: garantias petitórias (direito de petição; de representação; de queixa; de denúncia e de oposição administrativa) e garantias impugnatórias (reclamação; recurso hierárquico; recurso hierárquico impróprio e recurso tutelar). É precisamente na segunda categoria de garantias administrativas que nos devemos debruçar quanto à questão em apreço- posto que o acto administrativo já foi praticado e o particular, Carlos, pretende impugná-lo perante autoridades da própria Administração pública.

   De entre as espécies mencionadas encontramo-nos perante um recurso hierárquico impróprio

   - Porquê impróprio e não mero recurso hierárquico? Porque enquanto que o recurso hierárquico remete a uma impugnação feita perante o superior hierárquico do autor do acto impugnado, o recurso hierárquico impróprio remete a quando a impugnação é feita perante autoridades administrativas que não são superiores hierárquicos do autor do acto, mas que são órgãos da mesma pessoa colectiva e que exercem sobre o autor do acto impugnado poderes de supervisão (lembremo-nos que no caso temos poderes subdelegados- o órgão delegante tem poderes de supervisão sobre o órgão delegado)-artigo 176º CPA.
    
    Assim, a resposta à pergunta inicial desta alínea será terminantemente positiva até pelo disposto no artigo 65º/6 da lei 169/99. 

    O segundo ponto a ser abordado será o decorrer dos 4 meses sem ter o particular, Carlos, recebido qualquer tipo de resposta (por parte da Câmara- nesta alínea é o que interessa). De acordo com o artigo 65º/7 da lei 169/99 a Câmara tinha 30 dias, já devendo ter respondido. 
   Uma vez que a Câmara não se pronuncia sobre a constatação do particular, afigura-se importante referir o papel do silêncio.

    Antes do CPTA, aplicavam-se os artigos 108º e 109º tendo a Administração pública 90 dias para responder ao pedido de um particular. Dava-se um valor negativo à omissão da Administração pública (ao silêncio desta), considerando-se um indeferimento tácito (artigo 109º/1 CPA) sendo permitido ao particular impugnar o acto tácito em recurso contencioso de anulação. 

   Hoje em dia, depois da reforma, temos: artigo 67º/1 a) + artigo 59º/4 CPTA. Um particular, quando há omissão por parte da Administração pública, pode intentar (durante o período de 3 meses) uma acção de condenação da Administração pública à prática do acto devido (artigo 66ºss CPTA).          Passa a ter esta garantia, não fazendo portanto sentido falar em indeferimento tácito. 
    O artigo 109º foi revogado tácitamente pelo CPTA depois da reforma, passando apenas a poder existir deferimento tácito. 

    Contudo, no fundo, o que o particular quer - e o que terá de facto utilidade- não é tanto que o Tribunal Administrativo condene a Câmara à emissão do acto mas sim que a licença seja anulada.            Desta feita, e não obstante o recurso para o plenário que o particular fez previamente (que em nada consubstanciaria um problema dada a disposição no artigo 65º/6 da lei 169/99 + 59º/4 CPTA), o que este poderá fazer para assegurar o efeito útil da sua efectiva pretensão será solicitar a impugnação (contenciosa) do acto do vereador quanto ao licenciamento da obra e a sua condenação ao indeferimento do pedido da licença.
    Posto isto, o prazo para reagir por meio contencioso fica suspenso durante 30 dias (tal como referido anteriormente- artigo 65º/7 da lei 169/99) para a Câmara deliberar sobre o recurso. Após o decorrer desse prazo, e como dispõe o artigo 58º/2 b) CPTA, o particular terá 3 meses para utilizar a acção administrativa especial e impugnar a licença emitida pelo vereador. 
     Já decorridos os 4 meses desde a apresentação do recurso, Carlos está no limiar/limite do termo do prazo para apresentar acção administrativa especial com um pedido de impugnação do acto de licenciamento, tendo de o fazer com a maior brevidade possível. 

-----Diferença entre Licença e Autorização---- 

     Licença- remete a um acto pelo qual um órgão da Administração pública atribui a alguém o direito de exercer uma actividade privada que é por lei, relativamente proibida. O particular não é titular de um direito.
     
   Autorização- remete a um acto pelo qual a administração permite a alguém o exercício de certo direito ou competência pré-existente. O particular é titular de um direito. 


d)   Questão: Seria da competência deste Ministro a matéria da tutela quanto a autarquias locais?              Atentando à lei orgânica do Governo (Dl 86º A/2011, 12 setembro- artigos 3º/7 e 10º) e à lei do regime jurídico da tutela administrativa (lei 27/96 de 1 agosto- artigo 5º) verificamos que os poderes de tutela sobre os poderes de tutela sobre as autarquias locais estão distribuídos pelo Ministro das Finanças e pelo Ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Posto isto, não se reconhece competência ao Ministro do ambiente para o efeito.
     Caso o Ministro do ambiente praticasse um qualquer acto administrativo no sentido requerido pelo particular, esse acto seria dotado do vício de incompetência absoluta- porque como já referido é a outro ministério que competem tais actuações.

    Neste sentido, o desvalor jurídico em causa seria o da Nulidade, decorrente do artigo 133º/2 g) CPA.
    Atentando aos artigos 2º e 3º da lei 27/96 de 1 agosto, mesmo que o particular se tivesse queixado ao ministério competente (já referido anteriormente), seria apenas o papel deste- perante as autarquias locais- o de fiscalizar a legalidade mediante inspecções/inquéritos e sindicâncias.
   Nunca tendo competência para revogar actos praticados por uma autarquia local e, ainda, emitir ordem de demolição da construção em causa. 



Bibliografia:

Figueiredo Dias, José Eduardo- "Noções fundamentais de Direito Administrativo"

Freitas do Amaral, Diogo- "Curso de Direito Administrativo II"

Rodrigues Queiró, Afonso - "A função administrativa"

Livro de casos práticos AAFDL, edição 2002



Nota importante: não está de acordo com a revisão do Código (para a semana, já tendo o código, altero e retiro esta nota)




Raquel da Fonseca Simões Correia
nº 21797

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