Direito
Administrativo
Execução
coerciva. Tempo de mudar?
Freitas do Amaral aponta como uma das
características essenciais do poder administrativo o poder de execução coerciva[1]. Este poder confere à
Administração Pública a capacidade de impor coativamente aos particulares as
decisões unilaterais que tenha tomado. Anteriormente, este poder era visto como
essencial à supremacia do Estado e Marcello Caetano chamou-o privilégio de
execução prévia, enfatizando assim, a posição superior e de força que a
Administração Pública poderia ter face aos privados.
Nomes à parte, o que este poder
confere à Administração Pública é a possibilidade de executar as suas decisões
sem recorrer aos tribunais. Esta conceção é um resultado da aplicação dos
tradicionais conceitos do pouvoir
administratif francês à lei portuguesa. Porque na realidade poder-se-ia
conceber um sistema que obrigasse a Administração Pública a recorrer aos
tribunais para executar os seus direitos, tal como acontece a qualquer
particular.
Aliás, esta peculiaridade francesa,
não era geralmente aceite nos sistemas jurídicos anglo-saxónicos, que se
orgulham de manter uma tradição mais acentuada de liberdade e de garantia dos
particulares. É neste contexto, que um dos explanadores mais citados do direito
inglês A.V. Dicey afirmava quem Inglaterra não havia direito administrativo.
Como escreve Paul Craig[2] tal quer dizer que a lei
ordinária era predominante e que um exercício de um poder discricionário
alargado estava ausente dos costumes ingleses. Mais, todo o poder estava
sujeito à mesma lei ordinária que os privados.
Temos então duas possibilidades
teóricas. Ou a Administração Pública executa as suas decisões diretamente sem
recurso à legitimação judicial, sem ir a tribunal, tendo por isso uma lei própria,
ou a Administração Pública está submetida à mesma lei que os particulares e
precisa de ir a tribunal para executar uma decisão contra um particular. O
primeiro sistema é designado como sistema francês, o segundo é originário da
Inglaterra.
A questão é de algum modo importante,
porque esta época é uma época de forte intervenção do Estado, e esta
intervenção provoca sempre um maior atrito entre a esfera pública e privada.
O Código do Procedimento
Administrativo recentemente aprovado e que poderia ter representado uma
evolução no sentido da jurisdicionalização da execução, não cumpriu as
eventuais expetativas existentes. Na realidade, apesar de alguns
pronunciamentos mais ou menos retóricos da nova lei ( e se são ou não apenas
retóricos dependerá da prática futura, sobretudo dos tribunais) a execução
coativa autodefinida pela Administração continua a regra ( conferir artigo
176.º do CPA aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro).
A verdade é que o sistema poderia ser
diferente. Em Inglaterra, embora já se reconheça a existência de um direito
administrativo[3],
a verdade é que este consiste essencialmente no estudo da revisão judicial das
decisões da administração, o chamado “judicial
review”. A doutrina e jurisprudência inglesas entendem que neste caso a
função dos tribunais não é de apelo, mas de revisão de uma decisão e de
garantir que esta é tomada dentro dos limites da lei- ultra vires, o desafio judicial tem o poder de impedir a
implementação de qualquer decisão, faz parte do próprio processo decisório.
No fim a questão que se coloca sempre
é a da jurisdicionalização da atividade administrativa quando esta colide com
as garantias e interesses dos particulares. Este devia ser o caminho da lei
portuguesa e não o da supressão dos direitos individuais, num tempo, repete-se,
de grande intervenção e atividade do próprio Estado e em que o indivíduo se
sente cada vez mais sozinho.
Paulino Almeida Morais
Aluno 24694
BIBLIOGRAFIA
[1] Diogo
Freitas do Amaral. “Curso de Direito Administrativo” Vol. II.2013. Coimbra, Almedina ,pp. 29.
[2] Paul Craig.” Public Law and
Democracy in the United Kingdom and the USA”.1990.Oxford,OUP,pp 42.
[3] A título
de mero exemplo ver Hilaire Barnett.”Constitutional and Administrative Law”.2.ª
ed.(1998).London:Cavendish.
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