quinta-feira, 23 de abril de 2015

Direito Administrativo

Execução coerciva. Tempo de mudar?

          Freitas do Amaral aponta como uma das características essenciais do poder administrativo o poder de execução coerciva[1]. Este poder confere à Administração Pública a capacidade de impor coativamente aos particulares as decisões unilaterais que tenha tomado. Anteriormente, este poder era visto como essencial à supremacia do Estado e Marcello Caetano chamou-o privilégio de execução prévia, enfatizando assim, a posição superior e de força que a Administração Pública poderia ter face aos privados.
          Nomes à parte, o que este poder confere à Administração Pública é a possibilidade de executar as suas decisões sem recorrer aos tribunais. Esta conceção é um resultado da aplicação dos tradicionais conceitos do pouvoir administratif francês à lei portuguesa. Porque na realidade poder-se-ia conceber um sistema que obrigasse a Administração Pública a recorrer aos tribunais para executar os seus direitos, tal como acontece a qualquer particular.
          Aliás, esta peculiaridade francesa, não era geralmente aceite nos sistemas jurídicos anglo-saxónicos, que se orgulham de manter uma tradição mais acentuada de liberdade e de garantia dos particulares. É neste contexto, que um dos explanadores mais citados do direito inglês A.V. Dicey afirmava quem Inglaterra não havia direito administrativo. Como escreve Paul Craig[2] tal quer dizer que a lei ordinária era predominante e que um exercício de um poder discricionário alargado estava ausente dos costumes ingleses. Mais, todo o poder estava sujeito à mesma lei ordinária que os privados.
          Temos então duas possibilidades teóricas. Ou a Administração Pública executa as suas decisões diretamente sem recurso à legitimação judicial, sem ir a tribunal, tendo por isso uma lei própria, ou a Administração Pública está submetida à mesma lei que os particulares e precisa de ir a tribunal para executar uma decisão contra um particular. O primeiro sistema é designado como sistema francês, o segundo é originário da Inglaterra.
          A questão é de algum modo importante, porque esta época é uma época de forte intervenção do Estado, e esta intervenção provoca sempre um maior atrito entre a esfera pública e privada.
          O Código do Procedimento Administrativo recentemente aprovado e que poderia ter representado uma evolução no sentido da jurisdicionalização da execução, não cumpriu as eventuais expetativas existentes. Na realidade, apesar de alguns pronunciamentos mais ou menos retóricos da nova lei ( e se são ou não apenas retóricos dependerá da prática futura, sobretudo dos tribunais) a execução coativa autodefinida pela Administração continua a regra ( conferir artigo 176.º do CPA aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro).
          A verdade é que o sistema poderia ser diferente. Em Inglaterra, embora já se reconheça a existência de um direito administrativo[3], a verdade é que este consiste essencialmente no estudo da revisão judicial das decisões da administração, o chamado “judicial review”. A doutrina e jurisprudência inglesas entendem que neste caso a função dos tribunais não é de apelo, mas de revisão de uma decisão e de garantir que esta é tomada dentro dos limites da lei- ultra vires, o desafio  judicial tem o poder de impedir a implementação de qualquer decisão, faz parte do próprio processo decisório.
          No fim a questão que se coloca sempre é a da jurisdicionalização da atividade administrativa quando esta colide com as garantias e interesses dos particulares. Este devia ser o caminho da lei portuguesa e não o da supressão dos direitos individuais, num tempo, repete-se, de grande intervenção e atividade do próprio Estado e em que o indivíduo se sente cada vez mais sozinho.


Paulino Almeida  Morais
Aluno 24694
                                                                                                               

BIBLIOGRAFIA


[1] Diogo Freitas do Amaral. “Curso de Direito Administrativo” Vol. II.2013. Coimbra, Almedina ,pp. 29.
[2] Paul Craig.” Public Law and Democracy in the United Kingdom and the USA”.1990.Oxford,OUP,pp 42.
[3] A título de mero exemplo ver Hilaire Barnett.”Constitutional and Administrative Law”.2.ª ed.(1998).London:Cavendish.

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