quinta-feira, 23 de abril de 2015

A vaexata quaestio dos conceitos indeterminados



     Uma das coisas que aprendemos rapidamente na cadeira de direito administrativo é que a Administração Pública está subordinada à lei. A lei é critério, fundamento e limite da actuação administrativa. Trata-se portanto do princípio da legalidade, um corolário do Estado de Direito democrático (art. 3 nº2). O artigo 266 da CRP diz-nos que a Administração está subordinada à lei e à constituição, como prova do que foi dito também. Não obstante, pode acontecer que a lei não densifique totalmente a normatividade dos casos a que se aplica ou por se verificar limitações intrínsecas ao próprio poder legislativo, isto é impossibilidade de criar normas que atendam a todas as situações da vida, ou meramente por uma questão de conveniência a fim de se atender com as melhores soluções ao caso concreto (princípio da descentralização – art. 6 nº 1 e 267 nº2).


     Resumindo, umas vezes a lei é totalmente precisa e totalmente vinculativa, noutras não, atribuindo discricionariedade à Administração. Assim, podemos dizer que lei tanto pode vincular totalmente a Administração, não admitindo desvios àquilo que é a previsão e a estatuição da norma, e como tal a sua não observância é sempre sindicável por parte dos tribunais, como pode, por outro lado, não ser totalmente vinculativa deixando à Administração uma margem de autonomia à qual se chama discricionariedade. Mesmo nos casos em que a lei atribui discricionariedade à Administração as decisões tem sempre a lei como critério e por isso são sindicáveis, aqui em menor grau do que nas decisões vinculadas, ainda assim, a actuação tem sempre de respeitar os princípios jurídico-administrativos.


     Em bom rigor diríamos que a discricionariedade nunca é total, como também a vinculação nunca é total, ela é no fundo um poder-dever jurídico onde a margem de apreciação que de que goza Administração está limitada não só pelo fim legal mas também pelos princípios administrativos (Igualdade, Imparcialidade, Justiça, proporcionalidade) não se confundindo no nosso entender com alguma espécie de liberdade.


     Recapitulando, a discricionariedade só existe na medida em que a lei o confere, é a lei que dá à administração a possibilidade de entre várias alternativas possíveis escolher a melhor. Mas então como é que a lei faz isso? Fá-lo precisamente através dos conceitos indeterminados. O legislador utiliza esta técnica legislativa para atribuir discricionariedade à Administração, no fundo para que a norma acompanhe as mudanças sociais e sirva melhor o caso concreto. O legislador já nos vem habituando do uso frequente desta técnica legislativa recorrendo a conceitos de interpretação vaga, tais como “idoneidade”, “aptidão”, “ordem pública”, “segurança pública”, “valor histórico”, “carência”, “crise”, etc. De facto o que a realidade demonstra, no nosso entender, é que o recurso a conceitos indeterminados é de alguma forma inevitável, mas aqui entende-mos isso como algo positivo, sem prejuízo da incerteza que revela assim o próprio conceito e da intenção que lhe subjaz.


     Antes de avançar-mos cabe agora dar uma noção de conceito indeterminado. Conceitos indeterminados, nas palavras de Francisco de Sousa, e da maioria da doutrina, diga-se, são aqueles que se “caracterizam por um elevado grau de indeterminação”. É precisamente esse grau de indeterminação que torna tão difícil a interpretação dos conceitos.






     Procederemos a uma categorização dogmática dos conceitos indeterminados, seguindo a construção do Professor Francisco de Sousa:


1) Reais/empíricos – “são aqueles que referem descritivamente objectos reais ou objectos que de certa forma participam da realidade”, como escreve Francisco de Sousa. Trata-se portanto de conceitos que são preenchidos objectivamente com o auxílio da experiência comum e conhecimento cientifico-técnico.


2) Normativos – aqui o Professor Francisco de Sousa divide-os em duas subcategorias:


a) Normativos stricto sensu – serão aqueles cujo preenchimento se faz com o recurso aos conhecimentos técnico-jurídicos. O Professor Freitas do Amaral aqui diz que se deve fazer uma interpretação sistemática e teleológica, trata-se de situações que se resolvem apenas recorrendo à interpretação e como tal são vinculadas e são mais facilmente sindicáveis.


b) Normativos objectivo-valorativos – aqui exige-se uma conexão com o mundo das normas e com uma valoração social normativa que ainda assim não é eminentemente pessoal.


3) Discricionários – tem-se como conceitos discricionários aqueles que se caracterizam pela autonomia da valoração pessoal, valendo a apreciação, feita por parte do titular do órgão administrativo em causa, como definitiva.






     Sem prejuízo das considerações dogmáticas aqui expendidas vamos referir-nos à sindicabilidade de cada um destas categorias.


     Para o Professor Freitas do Amaral, os conceitos cuja concretização depende apenas de operações de interpretação e subsunção (conceitos reais/empíricos – apesar do Professor não lhes fazer expressa menção – e conceitos normativos stricto sensu) o grau de vinculação é total e por isso sempre sindicáveis por parte dos tribunais. Em relação àqueles conceitos preenchidos com valorações objectivas com recurso às concepções sociais dominantes (conceitos normativos objectivo-valorativos), o Professor defende que é admitida a fiscalização por parte do tribunal da actividade administrativa, ou seja, que na verdade trata-se de um poder vinculado e não de verdadeira discricionariedade uma vez que, ainda que seja concretizado através de valorações, essas não dependem, per si, do titular do órgão decisor. Por último, o Autor, em relação aos conceitos que exigem uma valoração pessoal (conceitos discricionários), por parte dos agentes que o interpretam, diz-nos que em princípio não são controláveis por parte dos tribunais, porque se situarão no âmbito de uma sindicabilidade de mérito e não de mera legalidade (artigos 71 nº 2 e 95 nº 3 CPTA).


     Em nossa opinião, no que toca ao controlo judicial dos actos que tenham por base a interpretação de conceitos indeterminados, entendemos que tal actividade interpretativa será sempre sindicável, muito embora haja certas diferenças dependendo da categoria de conceitos em análise. Podemos dizer que em certos conceitos a sindicância será maior e noutros menor – como no caso dos conceitos que exigem valorações eminentemente pessoais – mas ainda assim estes terão sempre, em ultima análise de respeitar os princípios juridico-administrativos e a ordem jurídica. Aqui ficamos perto da opinião de Vieira de Andrade que nos diz que toda a actividade administrativa está sujeita à reserva total de juridicidade em Estado de Direito Democrático, mesmo aquela parcela que não está pré-determinada e/ou totalmente densificada na lei.






Referencias Bibliográficas:






SOUSA, Francisco de, conceitos indeterminados no Direito Administrativo, Almedina, 1994, Coimbra;


AMARAL, Diogo Freitas, curso de direito administrativo vol. II, edição de 2001, Almedina, 2009, Coimbra;













Trabalho realizado por: Luís Godinho

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