terça-feira, 14 de abril de 2015

Visão tripartida ou unitária dos direitos dos particulares?

Com esta publicação pretende-se abordar e comentar uma divergência doutrinária face aos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas.


No passado Otto Mayer e Maurice Hauriou defendiam teorias negacionistas dos direitos dos particulares face à Administração Pública, revelando que estes não eram titulares de direitos subjetivos perante a Administração Pública, sendo que o primeiro autor abordava os particulares como verdadeiros súbditos, no entanto é claro que estas duas teorias são atualmente inadmissíveis , pois violam totalmente os princípios do Estado de Direito.                        

 A verdade é que a posição dos particulares tem vindo a evoluir ao longo do tempo, sendo estes verdadeiros sujeitos de direito com diversas garantias, titulares de direitos fundamentais que como é claro também vinculam a Administração Pública, conforme se pode entender pela leitura do artigo 18º  da CRP. Os direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas são objecto de várias teorias, sendo que vão ser analisadas de seguida duas concepções apoiadas em Portugal acerca dessa matéria.                                                       
Freitas de Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Machete e João Caupers são alguns autores que defendem uma visão tripartida dos direitos dos particulares, distinguindo direitos subjetivos, de interesses legítimos (ou interesses legalmente protegidos) e interesses difusos. É reconhecido nesta teoria que tanto na figura do direito subjectivo como na do interesse legítimo existe um interesse privado reconhecido e protegido por lei, no entanto no direito subjectivo essa proteção é direta e imediata podendo o particular exigir à administração um ou mais comportamentos que satisfaçam plenamente o seu interesse privado ou tal ser obtido em tribunal. Por outro lado, no interesse legítimo existe uma proteção de segunda linha, indireta e mediata pois o interesse diretamente protegido é o interesse público e só a partir daí protege-se o interesse do particular, sendo assim nestes casos o particular só tem o direito de não ser prejudicado ilegalmente pela administração, não podendo exigir a esta a tomada de um comportamento que satisfaça o seu interesse. Tendo em conta a distinção anteriormente feita , os autores referidos revelam assim que no direito subjectivo o que existe é um direito à satisfação de um interesse próprio e no interesse legítimo o que existe é apenas um direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio.                                                               

  É importante referir um exemplo de um direito subjectivo e de um interesse legítimo para melhor entender a classificação anteriormente referida. Freitas de Amaral dá como exemplo de direito subjectivo o caso de estar estabelecido legalmente que ao fim de cinco anos de serviço o funcionário tem direito a uma diuturnidade, podendo assim o funcionário exigir legalmente o pagamento dessa diuturnidade, tendo o Estado a obrigação jurídica de fazer o respectivo pagamento ao funcionário, e se não o fizer o funcionário pode legalmente usar dos meios adequados para obter a efetiva realização desse pagamento. Já quanto ao exemplo de interesse legítimo pode-se imaginar que a lei estabelece que para preencher o lugar de professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa tem de se realizar um concurso público, ao qual podem concorrer todos os que reúnam determinadas condições legais, sendo que concorreram três pessoas mas uma delas não preenche as condições legais, no entanto o júri escolhe exatamente essa para preencher o cargo. Neste caso os dois candidatos ficaram prejudicados ilegalmente, dado a decisão ter sido ilegal, sendo assim podem recorrer da decisão tendo direito a obter a sua anulação pelos tribunais, no entanto a verdade é que nenhum deles tem direito ao cargo, têm apenas o direito de não ser preteridos ilegalmente.                                                                                                                                    

Relativamente aos interesses difusos estes surgiram no âmbito do Estado Pós-Social, pois as constituições dos anos setenta trouxeram direitos fundamentais em novas áreas, nomeadamente direito ao ambiente, consumo, saúde pública, entre outros, sendo estes direitos respeitantes à colectividade em geral que apesar de serem direitos comuns são direitos que podem ser exercidos individualmente, pois qualquer cidadão pode intentar uma ação para proteger esses bens. A sua relevância substantiva é hoje em dia reconhecida pela CRP, por exemplo no artigo 60º e 66º. Convém também destacar outros interesses que não pertencem a pessoas individualmente consideradas, que são os interesses semi-diferenciados, sendo esses no fundo interesses colectivos, como por exemplo interesses de associações.                                                                                                                                   

 Vieira de Andrade entende que com o alargamento e diversificação da atividade administrativa, surgiram posições jurídicas subjectivas que se devem qualificar como direitos subjetivos apesar de não terem uma tutela plena em face da administração. Neste sentido é importante referir os chamados direitos enfraquecidos por este autor que são aqueles que por força de lei ou de ato administrativo com base na lei podem ser sacrificados através do exercício legítimo de poderes de autoridade administrativa, por exemplo o direito de propriedade face ao poder de expropriação. Por outro lado este autor enuncia também a existência de direitos comprimidos, que são os direitos que são limitados por lei, na medida em que requerem uma intervenção administrativa que os legitime e permita o seu exercício, como por exemplo a liberdade de circulação automóvel é dependente da obtenção da carta de condução.                                                                                                                   

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa existem também interesses simples, nos quais se incluem interesses reflexamente protegidos, sendo que esses não são objecto de qualquer intenção normativa de proteção nem direta nem indireta, sendo assim nestes casos só se pode impugnar a ilegalidade do comportamento de outrem invocando interesse na verificação dessa ilegalidade e na destruição do ato ilegal.                                                                                                          
  A verdade é que atualmente não existem diferenças muito significativas de regime jurídico entre as figuras de direito subjectivo e de interesse legítimo, ou seja não existem traços suficientes de regime jurídico específicos de todos os direitos subjetivos ou de todos os interesses legítimos que tornem a distinção entre ambos cientificamente absoluta, motivo pelo qual o Professor Vasco Pereira da Silva defende por sua vez uma visão unitária dos direitos dos particulares, entendendo que são todos direitos subjetivos e a todos se deve aplicar o mesmo regime. Sendo assim concordo com este autor na medida em que uma concepção ampla de direito subjectivo engloba não só os interesses legítimos como também os interesses difusos, pois para Vasco Pereira da Silva a única distinção que pode ser feita consiste no facto da intensidade da tutela das posições dos particulares titulares de direito variar. Vasco Pereira da Silva revela assim que a distinção feita no artigo 266º nº1 da CRP entre direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos é meramente teórica uma vez que o regime aplicado a ambos se equipara. Relativamente aos interesses simples, interesses semi-diferenciados e interesses difusos este autor considera estes apenas formas de atribuição de direitos.                                

Concluindo, apesar de toda esta discussão doutrinária a verdade é que o legislador arranjou forma de ambas as construções caberem na letra da lei, sendo o mais importante é que a Administração Pública na prossecução do interesse público respeite os direitos dos particulares, protegendo a sua esfera jurídica e impedindo o esmagamento dos seus interesses.

Bibliografia Utilizada:

-DIOGO FREITAS DO AMARAL,<<Curso de Direito Administrativo>>,volume II, 2º edição, Almedina, Coimbra,2011.
-VASCO PEREIRA DA SILVA,<<Em Busca do Acto Administrativo Perdido>>,Almedina,Coimbra,1996.

Realizado por João Paulo da Silva Couto, TAN, Subturma 5, Nº 24000.


3 comentários:

  1. Caro colega, excelente exposição, parabéns.

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  2. Sem dúvida, uma abordagem coerente e proficua, para o tema que o João se propos a abordar.
    Ao qual o Senhor Professor Vasco P. Silva, hoje, mais uma vez se referiu na aula teórica. O da alavancagem dos direitos dos particulares face à Administração Pública; E da ainda existente dicotomia, não totalmente, afastada à luz do novo CPA, sobre a responsabilização da AP perante os actos praticados pelos seus Orgãos quando no exercício de funções na esféra da Gestão da Coisa Pública, ou na Esfera Privada. Realidade que encontra, como sabemos, algum paralelismo, no direito Internacional Público, da distrinça entre actos praticados pelo Estado (seus representantes) no dominio da esfera pública versus esfera privada;
    Como referiu o Sr. Professor, dificilmente, alguns ilustres professores, talvez fruto de uma visão tradicionalista e da sua académica construção doutrinária formatada pela escola Administrativista Francesa, sintam alguma veleidade em alcançar o real alcance que emana o principio da Responsabilidade, na estatuição plasmada no artigo 16.º do NCPA - A Administração Pública responde, nos termos da lei, pelos danos causados no exercício da sua actividade.
    Aqui o brocardo - nos termos da lei, não poderá, perante os Interessados, ter outro significado que - da lei civil ou penal, independentemente da, ainda por alguns defendida, atuação de "duas Administrações Públicas" a de vestes publicas e a devestes privadas; Quando o legislador no NCPA, com a transposição, desnecessária, na opinião de alguma doutrina, do n.º 3 do artigo 41º da Carta dos direitos Fundamentais da UE, tentou, no artigo 16º, acabar com esta dicotomia.

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