quinta-feira, 30 de abril de 2015


Procedimento Administrativo


         
               Como escrevem Vasco Pereira da Silva[1] e Fausto de Quadros é salutar que a administração se reja por um conjunto de regras típicas de um Estado de Direito Democrático. Isto quer dizer que para exercer as suas funções de prossecução do interesse público, a administração deve obedecer a regras, sobretudo quando a sua atividade colide com os interesses dos particulares. Não é que à partida interesses individuais e interesses coletivos sejam necessariamente antagónicos, mas muitas vezes são-no, e quando o são deveria haver especial cuidado na interação entre administração e cidadão. Porque no fim de contas o Estado surge em boa medida como auxiliar dos cidadãos e não como algo oposto[2].
              As regras a que a administração deve obedecer, ou como refere o artigo 1.º do presente CPA “a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”, devem em primeiro lugar, existir. E embora tal aspeto pareça pacífico atualmente, não o foi numa fase inicial da construção teórico-jurídica do Estado Moderno. Como refere Cândido de Oliveira[3] “a formulação da teoria da separação de poderes, (…) praticamente ignorava a Administração” deixando de lado a sua juridicização. A existência de regras claras e acessíveis para a atividade da Administração Pública foi um processo longo que em Portugal culminou com a aprovação do Código do Procedimento Administrativo em 1991, não sem várias críticas e oposições.
           Um segundo aspeto relativamente a essas regras de procedimento administrativo, além da sua existência, é que elas devem corresponder às expetativas que um cidadão tem da atuação de um Estado de Direito Democrático. Nesse sentido, devem obedecer a uma série de princípios que as tornem regras dignas desse tipo de Estado.
         Em Portugal, esses princípios a que devem obedecer as regras da administração não estão na dependência do legislador ordinário, mas constam do texto constitucional, designadamente nos artigos 267.º e 268.º da Constituição. Verifica-se que a principal preocupação da lei fundamental é participação dos cidadãos nas decisões e a informação acerca de tudo o que lhes diga respeito. Além da participação e informação, os cidadãos também têm direito à tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses, bem como o direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
           No entanto, na transmissão das ideias constitucionais, que abundam geralmente em generosidade, para os códigos concretos e as regras, bem como na sua aplicação, vai muitas vezes um mundo de diferença, havendo uma tendência legislativa e burocrática para refazer as regras de acordo com pré-compreensões mais estatizantes, tradicionais na administração pública portuguesa[4].
        Assim, no procedimento administrativo dos nossos dias, o importante é verificar a adequação dos princípios constitucionais a uma efetiva legislação equilibrada entre os interesses coletivos e individuais, que não aplane estes em função daqueles, mas garanta a harmonia das decisões administrativas com os direitos e interesses dos cidadãos, porque como se tem vindo a repetir, em última análise a administração pública está ao serviço do cidadão e não vice-versa.


Paulino Almeida  Morais
Aluno 24694





BIBLIOGRAFIA

[1] Vasco Pereira da Silva e Fausto de Quadros.” O Inverno do nosso descontentamento- As impugnações administrativas no projeto de revisão do CPA”. Justiça Administrativa.n.º100.Julho/Agosto 2013.p.
[2] Ver por exemplo o conceito de Estado e Sociedade de Hayek em Manuel Fontaine Campos.”Friederich Von Hayek:Liberdade e Ordem Espontânea” in João Carlos Espada e João Cardoso Rosas.” Pensamento Político Contemporâneo. Uma Introdução. Lisboa , Bertrand Editora,2004,p.31 e ss.
[3] Cândido de Oliveira.” «A Organização Judiciária Administrativa e Fiscal» in Vasco Pereira da Silva (coord).”Temas e Problemas de Processo Administrativo” 2.ªed.FDUL,Lisboa,2011,p.10
[4] Sobre a teoria administrativa portuguesa e a sua influência francesa estatizante ver João Caupers.” A Reforma do Contencioso Administrativo e as Necessárias Reformas do Código do Procedimento Administrativo. Uma velha necessidade cuja satisfação tarda inexplicavelmente.” in Vasco Pereira da Silva. ”Temas….”p.349.

1 comentário:

  1. Se é intrinsecamente verdade que todo o procedimento administrativo tem a sua emanação na Lei, no limite, resultado do designio constitucional plasmado nos artigos 267.º e 268.º da CRP, não podemos olvidar que, fruto da integração de Portugal na, agora, UE, e bem assim enquanto membro de algumas Organizações Internacionais: ONU, OCDE, ...., a questão da europeização do Direito Administrativo (referindo-se prof. Fausto Quadros à Europeização do Contencioso Administrativo, in estudos de homenagem ao Prof. Marcelo Caetano, pag. 385 e ss) que foi o Prof. Marcelo Caetano o primeiro a escrever em Portugal sobre o Direito Administrativo Europeu, dezenas de anos, antes de se sonhar sequer, que o País, viria a fazer parte da então CEE; Ou como refere o professor Italiano Sabino Cassese, o que hoje, em 2003, se começa a discutir é o nascimento de um Direito Administrativo Global. Falando-se presentemente na existência Transnacional do Direito Administrativo (cfr. prof. Miguel Prata Roque, in Dimensão Transnacional do Direito Administrativo, dissertação doutoramento).
    Face a estas "novas", no sentido de ainda não suficiente maturadas, e na convocação do preceituado no artigo 8º da CRP, o Direito Administrativo Português, seja na sua habilitação legal (LEI) seja na sua emanação e exequibilidade - pratica administrativa, cada vez menos, estou em crer, por força das circunstâncias supra referidas, acaba por "perder as suas especificidades estaduais" e absorver as resultantes de uma exequibilidade adstrita à sua Dimensão Transnacional; devendo-se por conseguinte alargar o sentido e alcançe dos postulados e principios plasmados nos artigos 267º e 268.º da CRP.

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