Na senda
da europeização do NCPA a consagração da possibilidade da anulação
Administrativa do acto administrativo julgado
valido por sentença transitada em julgado (artigo 168º n.º 7 do NCPA)
No Post anterior
analisamos, percorrendo, se bem que de uma forma breve, o caminho legislativo-dogmático que levou a impor-se ao
legislador a necessidade de consagrar na
lei do procedimento administrativo (vulgo NCPA) da possibilidade de anulação
administrativa de um acto administrativo julgado válido por sentença transitada
em julgado.
A parte a questão da (in)constitucionalidade do artigo
168º n.º 7 do NCPA, porque se trata,
agora, de uma matéria lateral, a esta nossa exposição.
A possibilidade vertida no artigo 168º n.º 7 do NCPA, foi
expressamente autorizada pela Lei de autorização n.º 42º/2014 de 11 de julho;
Nesse sentido dispõe a al. rr). Que diga-se a título de curiosidade, que o
legislador ordinário, verteu no referido preceito quase ipsis verbis o conteúdo
legal constante da referida al. rr), dir-se-ia, em linguagem mais técnica, fez
um “copy - paste”.
Não podemos olvidar, que no âmbito do Direito da União
Europeia (DEU), encontramos duas compartimentações: a legislativa – centrada e
localizada no seio das Instituições da União, e a da execução daquele, esta,
esmagadoramente, concretizada pelas administrações e órgãos jurisdicionais dos
Estados Membros (EM’s) – assistimos a uma execução fundamentalmente descentralizada por via indireta. Neste sentido o disposto no
artigo 291º n.º 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia - Os Estados Membros tomam todas as medidas de
direito interno necessárias à execução dos actos juridicamente vinculativos da
União.
Resultando, que muito do contencioso ao nível do TJ da
União, tem a sua fonte na (in)execução administrativa do direito da U E, por
parte dos EM’s, por via dos seus órgãos institucionais.
Sentiu o legislador, e prosseguiu o desiderato, (ponto 18 do preambulo do D.L 4/2015 de 7 de janeiro,
a necessidade de harmonização
entre o direito interno com outros ordenamentos jurídicos, em especial quando a
actuação administrativa envolva a aplicação do direito da União Europeia. Exigência que se impunha, mormente, por força
do princípio da cooperação leal da Administração publica portuguesa com a União
Europeia, (artigo 19º NCPA e artigo 4º
n.º 3 do Tratado da União Europeia - TEU).
Esta
necessidade encontra a sua justificação, seja na força vinculativa da lei,
seja, como refere o professor Rui Lanceiro (op cit), desde logo são os
tribunais comuns dos EM que, no seu dia –a-dia asseguram a aplicação do direito
da U E aos conflitos que lhe são trazidos ao conhecimento – assegurando a
conformidade entre o Direito Nacional e o Direito da U E. daí que os tribunais
nacionais sejam muitas vezes considerados os “tribunais comuns” da ordem
jurídica da União.
Saliente-se que, pese embora o princípio consagrado no
supra artigo 291º do TFUE, não existe uma regulação uniforme, no seio da EU, no
que ao procedimento administrativo da execução do direito U E. Não querendo
isto dizer que o TJ se tenha abstido de se sobre esta temática pronunciar. Pelo
contrário tem vindo a estabelecer limites à autonomia processual dos EM’s de
forma a compatibilizar ambos os princípios em presença – a autonomia dos EM’s e
a aplicação uniforme e efetiva do DUE (Rui Lanceiro, op cit).
No que concerne, ao nosso móbil, em que medida o regime
da possibilidade de anulação administrativa
de acto administrativo julgado valido por sentença transitada em julgado
(artigo 168 n.º 7 do NCPA), resulta de
uma, livre, opção de vontade do legislador nacional ou, pelo contrario, de uma
diria “imposição” da jurisprudência do TJ .
Para além do já analisado acórdão Alcan (C-24/95),
(direito alemão), abordaremos a questão
à luz da jurisprudência Kuhne & Heitz, vertida no acórdão do TJUE processo
c-453/00 (Direito holandês), porquanto como refere Rui Lanceiro, o
enquadramento normativo vertido no artigo 168º n.º 7 , ..quando perpassa a
solução peça anulação de um acto administrativo que, embora julgado valido por
sentença transitada em julgado proferida por um tribunal administrativo, à luz
de determinada interpretação do DEU…, remete para a jurisprudência do TJUE Kuhne & Heitz.
Em síntese, o litígio envolvia uma empresa exportadora.
Esta recebia um crédito fiscal, em função da classificação pautal dos produtos/bens
que exportava. Tendo a autoridade holandesa, alterado a classificação (em
função do regime pautal) dos produtos/bens exportados, a empresa viu-se privada
dos créditos fiscais a que teria direito. No pleito que se seguiu, o Tribunal
não concedeu razão à empresa.
Contudo, houve outra empresa que, fruto de semelhante
alteração da classificação dos produtos exportados, perdeu os direitos de crédito
fiscais. Em sede de litigio, foi submetida questão prejudicial ao TJUE, o qual
veio a conceder razão à empresa litigante.
Assente neste acórdão, a empresa Kuhne, solicita às
autoridades holandesas, a revisão do acto de indeferimento da concessão dos
créditos fiscais a que teria direito.. As autoridades indeferiram o pedido, assente
na justificação que o acto administrativo original (do indeferimento) já te
sido objeto de apreciação pela justiça e a decisão judicial ter transitado em
julgado. Contestando este entendimento, a empresa Kuhne interpõe uma nova ação
judicial; O órgão jurisdicional holandês, submete ao TJUE uma questão
prejudicial. De onde resulta o acórdão, em análise, datado de 13 de janeiro de
2004.
Concluindo os juízes do TJUE que:
- dispõe, segundo o direito
nacional, do poder de revogação desta decisão;
— a decisão em causa se tornou definitiva em consequência de um acórdão
de um órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância;
- o referido acórdão, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça
posterior a esse acórdão, se fundamenta numa interpretação errada do direito
comunitário aplicada sem que ao Tribunal de Justiça tivesse sido submetida uma
questão prejudicial nas condições previstas no artigo 234.°, n.° 3, CE, e
— o interessado se dirigiu ao órgão administrativo imediatamente depois
de ter tido conhecimento da referida jurisprudência.
(sublinhado nosso)
Enunciadas as condições objetivas definidas pelo TJUE em
que assenta a possibilidade de “anulação administrativa” de um acto administrativo,
de seguida daremos a conhecer, se bem
que muito sinteticamente, de que forma o
CPA holandês disciplina esta
matéria.
O CPA holandês consagra a possibilidade de rever um “acto
administrativo definitivo (no sentido de não mais recorrível), tendo em
consideração os factos que ocorreram antes da decisão; na medida se o órgão
jurisdicional, tivesse tido, oportunamente a possibilidade de os conhecer, a
decisão seria diferente. Assente neste quadro factual, entende-se que o órgão
administrativo tem o poder de alterar uma decisão definitiva, no sentido que
não mais pode ser impugnada contenciosamente, perante a existência de factos, à
data desconhecidos.
Resulta do exposto que a possibilidade de anulação do acto em causa,
encontra-se, acima de tudo, dependente do regime estatuído no direito
procedimental Nacional.
No mesmo sentido, se pronunciou o TJUE em acórdãos
posteriores sobre actos administrativos de direito alemão : acórdão Kempter
(C-2/06) e o acórdão Germany e Arcor (C-393/04 e C-422/04).
Mais
recentemente o acordao Byankov Processo
C-249/11 decisão do TJUE de 4 de
outubro de 2012, indo um pouco mais além da supra jurisprudência referida robustece os poderes dos órgãos
administrativos nacionais quando chamados a aplicar o direito da União,
legitimando-os e obrigando-os a ir para além do disposto no respetivo direito
nacional para garantir a efetividade do direito da União e dos direitos que
dele decorrem para os particulares/administrados (cfr. Sophie Fernandez, op
cit)
Concluímos,
acompanhando a opinião do Sr. Professor doutor Nuno Picarra, que .. a ideia de a Administração rever ou revogar
actos administrativos contenciosamente impugnáveis, não resulta expressamente
de uma exigência da jurisprudência da União Europeia. Antes pelo contrário, tem
a sua génese, numa formulação jurisprudencial de raiz holandesa e alemã. Daí,
se pode afirmar, que a opção materializada no artigo 168º n.º 7 foi uma opção do Legislador nacional. Não pode pois ser justificado como decorrente
de uma vinculação do direito da U E. (Rui Lanceiro, op cit)
A título de nota
de pé de página, nos seja permitido acrescentar que, presentemente, foi
submetida ao TJUE uma questão prejudicial, por um Tribunal Romeno, tendo
originado o processo C-69/14, e que versa sobre a existência de legislação
num EM que permite a fiscalização jurisdicional de decisões (judiciais
definitivas que violam o direito da U E…
O referido processo ainda não pronuncia por parte do
Juízes do TJUE, encontrando-se neste momento formuladas e apresentadas as
conclusões do Advogado Geral.
Pela sua importância para o direito administrativo
nacional, sobre eventuais, certas, litigâncias decorrentes do artigo 168º n.º 7
do NCPA, transcreve-se as conclusões do Advogado Geral (em linha),
aguardando-se pela decisão do TJUE.
VI –
Conclusão
54. À luz da análise precedente, proponho que seja dada a
seguinte resposta à questão submetida pelo Tribunalul Sibiu:
O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia e o princípio da efetividade consagrado pela jurisprudência do
Tribunal de Justiça não se opõem à existência de normas nacionais que preveem a
possibilidade de reapreciar decisões judiciais nacionais que sejam proferidas
em processos administrativos quando exista uma violação do princípio do primado
do direito da União Europeia e que não preveem a possibilidade de reapreciar,
com o mesmo fundamento, decisões judiciais nacionais proferidas em processos
cíveis. Esta situação fica dependente da existência de clareza suficiente
quanto ao tipo de processo adequado para reparar a violação do direito da União
em causa, sendo que uma decisão definitiva proferida por um órgão jurisdicional
que se tenha declarado oficiosamente incompetente não poderá impedir a
apresentação da causa ao órgão jurisdicional competente.
O princípio da equivalência opõe‑se à existência de
normas nacionais que permitem a reapreciação de decisões judiciais nacionais
proferidas em processos cíveis na sequência de um acórdão posterior do Tribunal
Constitucional nacional ou do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas que
não permitem que se proceda a essa reapreciação na sequência de um acórdão
posterior do Tribunal de Justiça da União Europeia.
joão Pedro ribeiro Henriques, T5, aluno 21 839
FERNANDEZ, Sophie Peres,
“O reexame de atos administrativos definitivos contrários ao direito da União
em matéria de cidadania – os contornos do acórdão Byankov” [em linha - http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/]
LANCEIRO, Rui Tavares, “ O dever
de anulação do artigo 168º n.º 7 do Novo CPA e a Jurisprudência Kuhne &
Heitz, in Estudos de homenagem ao Doutor Rui Machete, [em linha, http://www.icjp.pt/content/o-dever-de-anulacao-do-artigo-168o-no-7-do-novo-cpa-e-jurisprudencia-kuhne-heitz; 2015]
QUADROS, Fausto, “ A Europeização
do Contencioso Administrativo”, in Estudos de homenagem ao Professor Marcelo
Caetano, Vol. 1, Coimbra Editora, 2006,
pp 385-405;
http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt
processo C-69-14 - http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1432953281801&uri=CELEX:62014CC0069
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