sexta-feira, 29 de maio de 2015

Na senda da europeização do NCPA a consagração da possibilidade da anulação Administrativa do acto administrativo julgado valido por sentença transitada em julgado (artigo 168º n.º 7 do NCPA)


Na senda da europeização do NCPA  a consagração da possibilidade da anulação Administrativa do acto administrativo julgado  valido por sentença transitada em julgado (artigo 168º n.º 7 do NCPA)


No Post anterior  analisamos, percorrendo, se bem que de uma forma breve, o caminho  legislativo-dogmático que levou a impor-se ao legislador  a necessidade de consagrar na lei do procedimento administrativo (vulgo NCPA) da possibilidade de anulação administrativa de um acto administrativo julgado válido por sentença transitada em julgado.

A parte a questão da (in)constitucionalidade do artigo 168º n.º 7 do NCPA,  porque se trata, agora, de uma matéria lateral, a esta nossa exposição.
 
A possibilidade vertida no artigo 168º n.º 7 do NCPA, foi expressamente autorizada pela Lei de autorização n.º 42º/2014 de 11 de julho; Nesse sentido dispõe a al. rr). Que diga-se a título de curiosidade, que o legislador ordinário, verteu no referido preceito quase ipsis verbis o conteúdo legal constante da referida al. rr), dir-se-ia, em linguagem mais técnica, fez um “copy  - paste”.

Não podemos olvidar, que no âmbito do Direito da União Europeia (DEU), encontramos duas compartimentações: a legislativa – centrada e localizada no seio das Instituições da União, e a da execução daquele, esta, esmagadoramente, concretizada pelas administrações e órgãos jurisdicionais dos Estados Membros (EM’s) – assistimos a uma execução  fundamentalmente descentralizada  por via indireta. Neste sentido o disposto no artigo 291º n.º 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia - Os Estados Membros tomam todas as medidas de direito interno necessárias à execução dos actos juridicamente vinculativos da União.

Resultando, que muito do contencioso ao nível do TJ da União, tem a sua fonte na (in)execução administrativa do direito da U E, por parte dos EM’s, por via dos seus órgãos institucionais.
 
Sentiu o legislador, e prosseguiu  o desiderato,  (ponto 18 do preambulo do D.L 4/2015 de  7 de janeiro,  a necessidade de harmonização entre o direito interno com outros ordenamentos jurídicos, em especial quando a actuação administrativa envolva a aplicação do direito da União Europeia.  Exigência que se impunha, mormente, por força do princípio da cooperação leal da Administração publica portuguesa com a União Europeia, (artigo 19º NCPA e artigo 4º  n.º 3 do Tratado da União Europeia - TEU).

Esta necessidade encontra a sua justificação, seja na força vinculativa da lei, seja, como refere o professor Rui Lanceiro (op cit), desde logo são os tribunais comuns dos EM que, no seu dia –a-dia asseguram a aplicação do direito da U E aos conflitos que lhe são trazidos ao conhecimento – assegurando a conformidade entre o Direito Nacional e o Direito da U E. daí que os tribunais nacionais sejam muitas vezes considerados os “tribunais comuns” da ordem jurídica da União.

Saliente-se que, pese embora o princípio consagrado no supra artigo 291º do TFUE, não existe uma regulação uniforme, no seio da EU, no que ao procedimento administrativo da execução do direito U E. Não querendo isto dizer que o TJ se tenha abstido de se sobre esta temática pronunciar. Pelo contrário tem vindo a estabelecer limites à autonomia processual dos EM’s de forma a compatibilizar ambos os princípios em presença – a autonomia dos EM’s e a aplicação uniforme e efetiva do DUE (Rui Lanceiro, op cit).

 
No que concerne, ao nosso móbil, em que medida o regime da possibilidade de anulação administrativa  de acto administrativo julgado valido por sentença transitada em julgado (artigo 168  n.º 7 do NCPA), resulta de uma, livre, opção de vontade do legislador nacional ou, pelo contrario, de uma diria “imposição” da jurisprudência do TJ .
 

Para além do já analisado acórdão Alcan (C-24/95), (direito alemão), abordaremos  a questão à luz da jurisprudência Kuhne & Heitz, vertida no acórdão do TJUE processo c-453/00 (Direito holandês), porquanto como refere Rui Lanceiro, o enquadramento normativo vertido no artigo 168º n.º 7 , ..quando perpassa a solução peça anulação de um acto administrativo que, embora julgado valido por sentença transitada em julgado proferida por um tribunal administrativo, à luz de determinada interpretação do DEU…, remete para a jurisprudência  do TJUE Kuhne & Heitz.
 

Em síntese, o litígio envolvia uma empresa exportadora. Esta recebia um crédito fiscal, em função da classificação pautal dos produtos/bens que exportava. Tendo a autoridade holandesa, alterado a classificação (em função do regime pautal) dos produtos/bens exportados, a empresa viu-se privada dos créditos fiscais a que teria direito. No pleito que se seguiu, o Tribunal não concedeu razão à empresa.

Contudo, houve outra empresa que, fruto de semelhante alteração da classificação dos produtos exportados, perdeu os direitos de crédito fiscais. Em sede de litigio, foi submetida questão prejudicial ao TJUE, o qual veio a conceder razão à empresa litigante. 

Assente neste acórdão, a empresa Kuhne, solicita às autoridades holandesas, a revisão do acto de indeferimento da concessão dos créditos fiscais a que teria direito.. As autoridades indeferiram o pedido, assente na justificação que o acto administrativo original (do indeferimento) já te sido objeto de apreciação pela justiça e a decisão judicial ter transitado em julgado. Contestando este entendimento, a empresa Kuhne interpõe uma nova ação judicial; O órgão jurisdicional holandês, submete ao TJUE uma questão prejudicial. De onde resulta o acórdão, em análise, datado de 13 de janeiro de 2004.

 

Concluindo os juízes do TJUE que:

 O princípio da cooperação que decorre do artigo 10.° CE (atual artigo 20º TEU)  impõe que um órgão administrativo, ao qual foi apresentado um pedido nesse sentido, reexamine uma decisão administrativa definitiva para ter em conta a interpretação da disposição pertinente entretanto feita pelo Tribunal de Justiça quando:
 
 - dispõe, segundo o direito nacional, do poder de revogação desta decisão;
 

a decisão em causa se tornou definitiva em consequência de um acórdão de um órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância;
 

- o referido acórdão, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior a esse acórdão, se fundamenta numa interpretação errada do direito comunitário aplicada sem que ao Tribunal de Justiça tivesse sido submetida uma questão prejudicial nas condições previstas no artigo 234.°, n.° 3, CE, e


o interessado se dirigiu ao órgão administrativo imediatamente depois de ter tido conhecimento da referida jurisprudência.

(sublinhado nosso)

 
Enunciadas as condições objetivas definidas pelo TJUE em que assenta a possibilidade de “anulação administrativa” de um acto administrativo, de seguida daremos  a conhecer, se bem que muito sinteticamente, de que forma o  CPA holandês  disciplina esta matéria.
 

O CPA holandês consagra a possibilidade de rever um “acto administrativo definitivo (no sentido de não mais recorrível), tendo em consideração os factos que ocorreram antes da decisão; na medida se o órgão jurisdicional, tivesse tido, oportunamente a possibilidade de os conhecer, a decisão seria diferente. Assente neste quadro factual, entende-se que o órgão administrativo tem o poder de alterar uma decisão definitiva, no sentido que não mais pode ser impugnada contenciosamente, perante a existência de factos, à data desconhecidos.

 
Resulta do exposto que a possibilidade de anulação do acto em causa, encontra-se, acima de tudo, dependente do regime estatuído no direito procedimental Nacional.
 

No mesmo sentido, se pronunciou o TJUE em acórdãos posteriores sobre actos administrativos de direito alemão : acórdão Kempter (C-2/06) e o acórdão Germany e Arcor (C-393/04 e C-422/04).

 
Mais recentemente o acordao Byankov   Processo C-249/11  decisão do TJUE de 4 de outubro de 2012, indo um pouco mais além da supra jurisprudência referida robustece os poderes dos órgãos administrativos nacionais quando chamados a aplicar o direito da União, legitimando-os e obrigando-os a ir para além do disposto no respetivo direito nacional para garantir a efetividade do direito da União e dos direitos que dele decorrem para os particulares/administrados (cfr. Sophie Fernandez, op cit)

  

Concluímos, acompanhando a opinião do Sr. Professor doutor Nuno Picarra, que  .. a ideia de a Administração rever ou revogar actos administrativos contenciosamente impugnáveis, não resulta expressamente de uma exigência da jurisprudência da União Europeia. Antes pelo contrário, tem a sua génese, numa formulação jurisprudencial de raiz holandesa e alemã. Daí, se pode afirmar, que a opção materializada no artigo 168º n.º 7   foi uma opção do Legislador nacional.  Não pode pois ser justificado como decorrente de uma vinculação do direito da U E. (Rui Lanceiro, op cit)

 

 
Nota de pé de página
 
 A título de nota de pé de página, nos seja permitido acrescentar que, presentemente, foi submetida ao TJUE uma questão prejudicial, por um Tribunal Romeno, tendo originado o  processo C-69/14,  e que versa sobre a existência de legislação num EM que permite a fiscalização jurisdicional de decisões (judiciais definitivas que violam o direito da U E…

O referido processo ainda não pronuncia por parte do Juízes do TJUE, encontrando-se neste momento formuladas e apresentadas as conclusões do Advogado Geral.

Pela sua importância para o direito administrativo nacional, sobre eventuais, certas, litigâncias decorrentes do artigo 168º n.º 7 do NCPA, transcreve-se as conclusões do Advogado Geral (em linha), aguardando-se pela decisão do TJUE.

VI – Conclusão
54. À luz da análise precedente, proponho que seja dada a seguinte resposta à questão submetida pelo Tribunalul Sibiu:

O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o princípio da efetividade consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça não se opõem à existência de normas nacionais que preveem a possibilidade de reapreciar decisões judiciais nacionais que sejam proferidas em processos administrativos quando exista uma violação do princípio do primado do direito da União Europeia e que não preveem a possibilidade de reapreciar, com o mesmo fundamento, decisões judiciais nacionais proferidas em processos cíveis. Esta situação fica dependente da existência de clareza suficiente quanto ao tipo de processo adequado para reparar a violação do direito da União em causa, sendo que uma decisão definitiva proferida por um órgão jurisdicional que se tenha declarado oficiosamente incompetente não poderá impedir a apresentação da causa ao órgão jurisdicional competente.

O princípio da equivalência opõe‑se à existência de normas nacionais que permitem a reapreciação de decisões judiciais nacionais proferidas em processos cíveis na sequência de um acórdão posterior do Tribunal Constitucional nacional ou do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas que não permitem que se proceda a essa reapreciação na sequência de um acórdão posterior do Tribunal de Justiça da União Europeia.
 
 
joão Pedro ribeiro Henriques, T5, aluno 21 839


 Algumas Fontes bibliograficas, mais relevantes 

FERNANDEZ, Sophie Peres, “O reexame de atos administrativos definitivos contrários ao direito da União em matéria de cidadania – os contornos do acórdão Byankov” [em linha - http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/]

 
LANCEIRO, Rui Tavares, “ O dever de anulação do artigo 168º n.º 7 do Novo CPA e a Jurisprudência Kuhne & Heitz, in Estudos de homenagem ao Doutor Rui Machete, [em linha, http://www.icjp.pt/content/o-dever-de-anulacao-do-artigo-168o-no-7-do-novo-cpa-e-jurisprudencia-kuhne-heitz;  2015]

QUADROS, Fausto, “ A Europeização do Contencioso Administrativo”, in Estudos de homenagem ao Professor Marcelo Caetano, Vol. 1, Coimbra Editora, 2006,  pp 385-405;

http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt

processo C-69-14   -   http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1432953281801&uri=CELEX:62014CC0069

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