quinta-feira, 28 de maio de 2015

Visões doutrinárias sobre os direitos dos particulares

A posição dos particulares tem vindo a evoluir, sendo que, atualmente, não é posta em causa a existência de direitos subjetivos dos particulares. A questão hoje é relativa às divergências doutrinais que surgem face a uma visão tripartida dos direitos dos particulares, na qual se distinguem dos direitos subjetivos os interesses legítimos (ou interesses legalmente protegidos) e os interesses difusos, e uma visão unitária em que só existem direitos subjetivos e a todos se aplica o mesmo regime.
  • Quanto à visão tripartida dos particulares, defendida por autores como Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa, devem-se distinguir direitos subjetivos de interesses legítimos (ou interesses legalmente protegidos) e de interesses difusos. Tanto nos direitos subjetivos como nos interesses legítimos, existe um interesse privado reconhecido e protegido por lei. No entanto, nos direitos subjetivos essa proteção é direta e imediata, podendo o particular exigir à administração um ou mais comportamentos que satisfaçam plenamente o seu interesse privado ou obtendo tais comportamentos através do tribunal, ou seja, o seu titular tem a possibilidade de obter a sua tutela jurisdicional plena, sendo estes chamados de “direitos subjetivos de primeira categoria”. Um exemplo é o caso de estar estabelecido legalmente que ao fim de x anos de serviço um funcionário tem um determinado direito, podendo o funcionário exigir legalmente esse direito e, visto que o Estado tem a obrigação jurídica de o cumprir, caso não o faça, o funcionário pode legalmente usar os meios adequados para obter a efetiva realização desse direito. Por outro lado, os interesses legítimos são os denominados “direitos de segunda”, tendo contrariamente aos primeiros uma proteção indireta e mediata, pois o interesse diretamente protegido é o interesse público e só depois o interesse do particular. Daí que o particular só tem o direito de não ser prejudicado ilegalmente pela administração, não podendo exigir a esta a tomada de um comportamento que satisfaça o seu interesse, ou seja, estes interesses existem pela atribuição de certos poderes e faculdades, como de reagir contra condutas contrárias ao interesse, responsabilizando civilmente quem o tiver violado, mas visto que não há proteção direta desse interesse também não há a possibilidade da sua realização jurisdicional plena. Um exemplo de interesse legítimo é quando a lei estabeleça que para se preencher um determinado cargo tem de se realizar um concurso público, ao qual podem concorrer todos os que reúnam certas condições legais, sendo que concorreram três pessoas, porém uma delas não preenche as condições legais, senda exatamente essa que o júri escolhe para exercer o cargo. Os outros dois candidatos ficaram prejudicados ilegalmente, dado a decisão ter sido ilegal, podendo estes recorrer da decisão tendo direito a obter a sua anulação pelos tribunais, mas isso não implica que algum deles tenha direito ao cargo, têm apenas o direito a não serem preteridos ilegalmente.                    

Estes autores defendem que nos direitos subjetivos o que existe é um direito à satisfação de um interesse próprio e nos interesses legítimos é apenas um direito à legalidade das decisões que versem sobre esse interesse próprio.
Com o surgimento do estado pós-social, surgiram novas perspetivas quanto ao direito, nomeadamente sobre direitos respeitantes à coletividade (pessoas no geral) no seu todo como os relativos ao ambiente, consumo, saúde pública, que se denominam de interesses difusos ou “direitos de terceira ordem”, como por exemplo os direitos dos consumidores, consagrados no artigo 60º da CRP. Apesar de estes serem alvos de interesse comum, são direitos que podem ser exercidos individualmente e bens que podem ser aproveitados individualmente.

Anteriormente, quem ia a tribunal defendia a legalidade de certa atuação face ao interesse público, agora quem vai a tribunal quer proteger um interesse direto, pessoal e legítimo, protegendo o seu próprio direito contra a atuação da Administração, sendo que ao dever de um corresponde o direito do outro. O direito do particular é, conforme esta visão tripartida, um direito de ver reposta a legalidade, de reagir perante a violação do seu direito e as lesões que sejam causadas na sua esfera jurídica. Daí não concordar com esta teoria, não devendo ser considerada qualquer distinção, pois o particular tem direitos e tem direito de os ver respeitados pela administração e de reagir, caso esses direitos não sejam respeitados.

  • Contrariamente à primeira teoria, um conceito amplo de direito subjetivo, engloba não só os interesses legalmente protegidos, como também os interesses difusos, devendo aplicar-se o mesmo regime a todos os direitos subjetivos, pois não existem traços suficientes do regime jurídico específicos de todos os direitos subjetivos ou de todos os interesses legítimos que tornem uma distinção absoluta entre ambos. A única distinção que é feita dentro desta é a da intensidade da tutela das posições dos particulares titulares dos direitos que variam. O professor Vasco Pereira da Silva é defensor desta teoria, defendendo uma visão unitária dos direitos dos particulares. Segundo o professor, a distinção que é feita na CRP, no artigo 266º, nº1 entre “direitos subjetivos” e “interesses legalmente protegidos” é meramente teórica, uma vez que o regime aplicado a ambas se equipara. Hoje verificamos um sistema unificado relativo às relações substantivas.


O trauma do Direito Administrativo por falta de tutela dos direitos dos particulares foi superado. Atualmente, Direito Administrativo regula as relações jurídicas entre sujeitos em posições equiparadas, situações de igualdade, de afirmação dos sujeitos face à Administração. Eu concordo com esta visão unitária dos direitos dos particulares, pois o interesse público só pode ser protegido e alcançado perante o respeito dos interesses de cada particular, sendo fundamental que a Administração Pública, na prossecução do interesse público, respeite os direitos dos particulares, protegendo a sua esfera jurídica e impedindo a violação dos seus interesses.                                                                                                                                                                                                                                   

Bibliografia:
 DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ª edição,
Almedina, Coimbra, 2011.






Anabela Franco, nº 24819

Sem comentários:

Enviar um comentário