DIREITO ADMNISTRATIVO II
A separação de
Poderes e o Poder administrativo
A separação de poderes é um princípio característico da
forma de governo democrático-representativo e pluralista ocidental. Pode-se
dizer que direitos fundamentais e o princípio da separação de poderes
constituem o conteúdo essencial da Constituição moderna.
O princípio da separação de poderes encontra uma tradução
no plano do Direito Constitucional e no plano do Direito administrativo.
No Plano do
Direito Constitucional – O princípio da separação de poderes
visou tirar ao Rei e aos seus Ministros a função de legislar, dando-lhes apenas
a função politica e administrativa, ou seja, visou a separação entre o
legislativo e o executivo. Neste plano, o grande objectivo da separação de
poderes era evitar o despotismo protegendo os direitos fundamentais dos
cidadãos.
No plano do
Direito administrativo – O princípio da separação de poderes
visou a separação entre a administração e a justiça, isto é, retirar à administração
pública a função judicial e retirar aos tribunais a função administrativa.
Princípio da separação de poderes no campo do direito
administrativo
Como já foi referido atrás, o princípio da separação de
poderes no campo do direito administrativo, visou a separação entre a
administração pública e a justiça, para que tal seja conseguido, é necessário:
A separação dos órgãos administrativos e judiciais – Quer
isto dizer, que tem de existir órgãos administrativos dedicados ao exercício da
função administrativa e órgãos judiciais dedicados ao exercício da função
jurisdicional.
A incompatibilidade dos magistrados – Nenhuma pessoa pode
simultaneamente exercer funções administrativas e judiciais (art.º 216 nº 2 da
CRP).
A independência reciproca da administração e da justiça, que
se desdobra em dois aspectos:
A independência
da justiça perante a administração- Significa que a
autoridade administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciária, nem pode
invadir a sua esfera de jurisdição. Todos os actos praticados pela administração
pública em matéria da competência dos tribunais judiciais são nulos e de nenhum
efeito, por estarem viciados de usurpação de poder, no actual CPA artº 161 nº 2
e (art.º 133 nº 2 do CPA de 1991),
A independência
da administração perante a justiça- Significa não uma
proibição absoluta de o juiz condenar, intimar, orientar ou impor
comportamentos à administração (art.º 268 nº 4 da CRP), mas sim de uma
proibição funcional, quer isto dizer, que o juiz não pode interferir na
autonomia do poder administrativo, núcleo essencial da discricionariedade. Esta
independência significa também que não são os tribunais comuns, ou seja, os
tribunais judiciais, para resolver os litígios em que esteja em causa uma actividade
da administração pública, são pois os tribunais administrativos (art.º 212 nº 3
da CRP). Contudo esta regra conhece algumas excepções, como o caso de
impugnação judicial .
Manifestações do poder administrativo
As principais
manifestações do poder administrativo são quatro:
1º O Poder regulamentar
2º O poder de decisão
unilateral
3º O privilégio da
execução prévia
4º O regime especial dos
contratos administrativos
1º Poder regulamentar
Este poder consta no art.º 199 da CRP, e é o poder da
administração pública de fazer regulamentos. O regulamento é colocado abaixo da
lei, no ponto de vista da hierarquia das fontes.
2º Poder de decisão unilateral
Enquanto no regulamento a administração pública aparece a
fazer normas gerais e abstractas, aqui a administração pública aparece-nos a
decidir casos individuais e concretos. Os
particulares devem obediência aos actos administrativos pelos quais nos casos
concretos a administração pública define direito. Pode a lei exigir nos termos
do art.º 100 e sgs do CPA, que os interessados sejam ouvidos pela administração,
antes de esta tomar a sua decisão.
Pode ainda a lei facultar artº 184 e ss do actual CPA, (art.º
158 e sgs do CPA de 1991) aos particulares a possibilidade de apresentarem
recursos hierárquicos ou reclamações contra as decisões da administração pública.
Por fim a lei permite ainda que os interessados impugnem as decisões
unilaterais perante os tribunais administrativos.
3º O privilégio da execução prévia
A administração pública tem a faculdade de impor coerciva
mente aos particulares as decisões unilaterais constitutivas de deveres ou
encargos que tiver tomado e que não sejam por aqueles voluntariamente cumpridas
artigo 175º do novo CPA (art.º 149º nº 1 do CPA de 1991). No entanto o
particular tem depois disso, o poder de recorrer aos tribunais administrativos para
impugnar a decisão feita, pedindo a anulação do acto administrativo.
4º Regime especial dos contratos administrativos
Corolários do poder administrativo
Independência da administração pública perante a justiça.
Foro administrativo – A competência para julgar os
litígios administrativos não são os tribunais judiciais mas sim os tribunais
administrativos.
Existência de um tribunal de conflitos (existe em
Portugal e em França) -Tribunal que se destina a resolver em última instância
conflitos que possam surgir entre o tribunal judicial e o tribunal
administrativo. No Tribunal de Conflitos tem de estar representados,
representantes do tribunal judicial e administrativo.
Princípios constitucionais sobre o poder administrativo-Artur 266
da CRP
1º Princípio de prossecução do interesse público
O fim da administração pública é a prossecução do
interesse público, contudo, não o pode fazer de qualquer maneira, tem de o
fazer dentro de certos limites, com respeito por outros dois princípios:
O princípio pelo respeito dos direitos dos cidadãos.
O interesse público traduz-se na satisfação das
necessidades colectivas.
É a lei que define os interesses públicos a prosseguir
pela administração, não pode ser esta a defini-los, salvo se a lei a habilitar
para tal.
A noção de interesse público é uma noção variável, quer
isto dizer, que o que ontem era considerado conforme ao interesse público pode
hoje ser-lhe contrário, e o que hoje pode ser inconveniente pode amanhã ser
vantajoso.
A satisfação do interesse público é uma das consequências
do dever de uma boa administração (art.º 81 da CRP).
2º Princípio da legalidade
A administração pública tem de prosseguir o interesse
público em obediência à lei- é o que se chama o princípio da legalidade. Este é
um dos mais importantes princípios aplicáveis à administração pública,
encontra-se consagrado no art.º 266 nº 2 da CRP:
Breve resenha histórica
É com a Revolução Francesa, que se estabelece o princípio
da subordinação à lei: a administração pública fica submetida à lei, é o início
do princípio da legalidade. Seguidamente a Revolução Francesa, dá-se uma
evolução, em que a monarquia liberal do séc. XIX dá origem na Europa a três
regimes diferentes - regime autoritário da direita nomeadamente as ditaduras
tipo fascista e os regimes comunistas; por outro lado as democracias modernas.
Nos regimes autoritários da direita, não se assiste a uma
necessária subordinação do poder executivo ao parlamento, mas principalmente a
subordinação da administração pública ao governo. Chega-se assim à noção de
legalidade socialista, que era um instrumento do poder administrativo ao
serviço e dos fins de natureza politica consagrados na Constituição do respectivo
país e definidos pelo partido único.
Finalmente nos regimes democráticos de tipo ocidental, o
princípio da legalidade sofre algumas modificações relativamente ao que tinha
no Estado Liberal, assim, nesta fase a administração pública só pode agir no
que a norma jurídica lhe permitir, quer no interesse da administração quer no
interesse dos particulares.
Na actualidade e no direito português, são duas as
funções do princípio da legalidade: a função de assegurar o primado do poder
legislativo sobre o poder administrativo e garantir os direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares.
Objecto e modalidades do princípio de legalidade
Objecto – O princípio da legalidade tem como objecto
todos os tipos de comportamento da administração publica-o regulamento; o acto
administrativo; o contrato administrativo; os simples factos jurídicos. A
violação da legalidade por qualquer destes tipos de actos gera ilegalidade.
Modalidades - O princípio da legalidade comporta duas
modalidades:
1ª Preferência de lei- Consiste em que nenhum acto de
categoria inferior à lei pode contrariar o bloco de legalidade, sob pena de
ilegalidade.
2ª Reserva de Lei – Consiste em que nenhum acto de
categoria inferior pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade.
Excepções ao princípio da legalidade
A maioria da doutrina considera três excepções ao
princípio da legalidade: Estado de necessidade; a teoria dos actos políticos; o
poder discricionário da administração. No entanto para o Professor Freitas do
Amaral, nenhuma destas situações são consideração excepções ao princípio da
legalidade porque:
1º Estado de necessidade- Porque é aceite pela maioria da
doutrina e jurisprudência de todos os países democráticos e está consagrada no
art.º 3 nº 2 do CPA actual e de 1991.
2º Teoria do actos políticos – Não são susceptíveis de
recurso contencioso perante os tribunais administrativos. Mas se estes actos
forem considerados ilegais pode haver outras sanções, como por exemplo
responsabilidade civil.
3º Poder discricionário da administração – É antes um
modo especial de configuração da legalidade administrativa. Só há poderes discricionários
até onde a lei os confere como tais.
Âmbito do princípio da legalidade
O princípio da legalidade abrange todas as manifestações
da administração pública: as da administração constitutiva ou de prestação e da
administração agressiva- art.º 266 nº 2 da CRP.
Conclui-se que no âmbito o princípio da legalidade, quem
tem de definir o interesse público a prosseguir pela administração é a lei e
não a própria administração; mesmo no quadro da administração constitutiva ou
de prestação, mesmo quando se trata de conceder um direito ou de prestar um
serviço, ou de fornecer bens a particulares.
3º Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares
O interesse pública a prosseguir pela administração
pública deve respeitar os interesses legalmente protegidos dos particulares. No
entanto não basta o escrupuloso cumprimento da lei por parte da administração
pública, para que se verifique o respeito integral dos direitos dos particulares
legalmente protegidos, outras formas de protecção existem como por exemplo:
Estabelecimento da possibilidade de suspensão
jurisdicional da eficácia do acto administrativo, quando da sua execução possam
resultar prejuízos para o particular.
Estabelecimento da responsabilidade da administração aos
danos causados por facto causais, bem como actos lícitos que imponham cargos ou
prejuízos especiais e anormais as particulares.
Imposição expressa do limite do respeito pelos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos às actividades de natureza policial.
Poder discricionário da administração pública
Como já foi referido a administração
pública está subordinada à lei nos termos do princípio da legalidade. Umas
vezes a lei pormenoriza em que sentido deve administração pública actuar, ou
seja vincula totalmente a administração, pelo qual esta não tem a possibilidade
de efectuar qualquer escolha- é o chamado acto vinculado. Noutras situações a
lei praticamente nada diz, nada regula, e atribui uma significativa margem de
autonomia à administração pública, é ela que tem de decidir segundo os critério
adequados à prossecução do interesse público- estamos perante actos
discricionários.
No entanto é preciso ter em atenção que
não há discricionariedade absoluta. Pode-se dizer até, que não há actos
totalmente discricionários nem totalmente vinculados, pois todos os actos
administrativos são em parte discricionários e em parte vinculado.
Natureza do acto discricionário
Para haver discricionariedade é
necessário que a lei atribuía à administração o poder de escolhe entre várias
alternativas diferentes de decisão, quer o espaço de escolha esteja apenas
entre duas decisões contraditoriamente opostas, quer entre várias decisões à
escolha numa relação disjuntiva.
Concluindo na discricionariedade, a lei
não dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer
solução que respeite o fim da norma, antes o obriga a procurar a melhor solução
para a satisfação do interesse público de acordo com os princípios jurídicos de
actuação. A discricionariedade não é uma liberdade mas um poder – dever
jurídico.
Fundamento
e poder discricionário
O poder discricionário da administração pública
fundamenta-se no princípio de separação de poderes, na própria concepção de
Estado social de Direito, enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres
positivos para a administração.
É claro que fundamentando-se o poder discricionário na
separação de poderes e na concepção de Estado Social de Direito, não fica de
fora o princípio da legalidade.
Pois hoje ao contrário no Estado Policia, em que o poder
discricionário era um poder inato, derivava da legitimidade monárquica do Rei
absoluto, não é um poder inato, é um poder derivado da lei:
Só existe quando a lei o confere e na medida em que a lei
o configura.
O poder discricionário só pode ser exercido por aqueles a
quem a lei o atribuir, só pode ser exercido para o fim com que a lei confere, e
deve ser executado de acordo com certos princípios jurídicos.
O poder discricionário é controlável jurisdicionalmente.
Evolução histórica do poder discricionário
A
evolução histórica do poder discricionário ficou caracterizada pelo progresso
da ideia da subordinação deste poder da administração pública a limites legais,
controlo jurisdicional do respeito por esses limites.
No Estado de Policia, o poder administrativo era
totalmente discricionário, não tinha fundamento na lei nem a lei estabelecia
quaisquer limites ao se exercício.
Numa segunda fase do Estado de policia, subiste o poder
do Monarca e de todos aqueles que com ele colaboram como poder inato.
Nesta segunda fase, distinguem-se duas formas de
administração: a administração pura e a administração contenciosa.
Âmbito do poder discricionário da administração pública
São os seguintes aspectos
que podem ser discricionários:
Momento da prática do acto – A administração terá a
faculdade de praticar o acto agora ou mais tarde conforme melhor entender.
·
Decisão de praticar ou não certo ato administrativo.
·
Determinação dos factos e interesses relevantes para a decisão.
·
Determinação do conteúdo concreto da decisão a
tomar-discricionariedade de escolha.
·
Forma a adoptar para o acto administrativo.
·
Formalidade a observar na preparação do ato administrativo.
·
Fundamentação ou não da decisão artigo 152º do novo CPA e (art.º
124 do CPA de 1991).
·
Faculdade de colocar ou não o acto administrativo a condições,
modos ou outras cláusulas artº 149 do actual CPA e (art.º 121 do CPA de 1991).
Limites do poder discricionário
O poder discricionário da administração pública pode ser
limitado juridicamente por duas formas:
No âmbito que a discricionariedade que a lei conferes à
administração, esta pode exercer os seus poderes de duas maneiras:
·
Pode exerce-los caso a caso, adoptando em cada caso a solução que
lhe parecer mais adequada.
·
Mas a administração também pode exerce-la de outra forma: com base
de uma previsão do que poderá vir acontecer, ou na base de uma experiência
sedimentada.
É preciso ter em atenção que a auto vinculação da
administração pública não é ilimitada, a administração não pode
auto-vincular-se com desrespeito do art.º 112 nº 5 da CRP.
Controlo do exercício do
poder discricionário
O poder discricionário da
administração pública está sujeita a 4 tipos de controlo:
1.
Controlo de legalidade – Visa determinar se administração
respeitou ou não a lei.
2.
Controlo de mérito – Visa avaliar o bem fundado das decisões da
administração. O mérito de um ato administrativo deve ter em conta o ideia de
justiça e a ideia de conveniência: a ideia de justiça diz respeito a harmonia
que deve existir num ato administrativo entre o interesse público que deve
prosseguir e os interesses particulares legalmente protegidos; a conveniência
diz respeito a adequação que deve existir num ato administrativo.
3.
Controlo jurisdicional – Controlo que se efectua através dos
tribunais
4.
Controlo administrativos – Controlo realizada por órgãos da
administração.
O controlo de legalidade tanto pode ser feito pelos
tribunais administrativos como pela própria administração, competindo em última
análise aos tribunais. O controlo de mérito só pode ser feito pela
administração.
O uso de poder vinculados que tenham sido exercidos
contra a lei são objecto do controlo de legalidade enquanto o uso de poderes
discricionários são objecto de controlo de mérito.
Impugnação de actos
discricionários administrativos
Hoje os actos
discricionários podem ser impugnados com fundamento em qualquer dos seguintes
vícios:
·
Com fundamento em incompetência do órgão que os exerceu.
·
Vício de forma, nomeadamente por preterição de formalidades
essenciais de deviam ter sido observadas.
·
Violação da lei, como ofensa de quaisquer limites impostos ao
poder discricionário e ao poder de auto-vinculação.
·
Defeitos da vontade, nomeadamente erro de facto que é mais
frequente.
Interpretação de conceitos
indeterminados
Conceitos indeterminados são conceitos que não permitem
uma comunicação clara quanto ao seu conteúdo.
O importante nos
conceitos indeterminados é saber se é uma actividade vinculada ou
discricionária e por conseguinte, sindicável, ou não pelos tribunais.
Através de uma percepção da heterogeneidade dos conceitos
indeterminados leva-nos hoje afirmar que alguns deles são um instrumento que a
lei se serve para atribuir discricionariedade à administração.
Assim temos de um lado o caso de conceitos indeterminados
cuja concretização apenas envolve operações de interpretação da lei e de
subsunção; do outro temos aqueles conceitos cuja concretização apela para
preenchimentos valorativos por parte do órgão administrativo aplicador do
Direito.
Concluindo a concretização administrativa de conceitos
indeterminados traduz muitas vezes o exercício de interpretação da lei, noutras
traduz o exercício de verdadeira discricionariedade, sendo que, quanto assim
sucede o tribunal não pode reapreciar o acto da administração para lhe
substituir outro, se o fizesse, estaria a exercer a função administrativa e não
a função jurisdicional, pelo que haveria dupla administração, contrária ao princípio
da separação de poderes.
Maria Isabel Pereira Marques Monteiro Aluna nº 19413
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