terça-feira, 5 de maio de 2015

Princípios constitucionais da atividade administrativa

Nesta publicação vou abordar os princípios constitucionais da atividade administrativa, identificados no artigo 266.º da CRP.
Primeiramente, convém ter presente a distinção entre regras e princípios. Segundo o professor Diogo Freitas do Amaral, as primeiras são normas que, verificados certos pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem expressões vagas ou elásticas. Já os segundos são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, ou seja, não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de «tudo ou nada», impõem sim a otimização de um direito ou bem jurídico, tendo em conta a «reserva do possível», fática e jurídica. Quando há uma convivência entre princípios, eles coexistem entre si, o que, pelo contrário, numa convivência de regras, elas excluem-se.
Tal como já estudámos, a discricionariedade administrativa tem os seus limites, nomeadamente, os limites imanentes da margem de livre decisão da A.P. Os órgãos e agentes administrativos estão, por isso, subordinados à Constituição e à lei, devendo atuar, no exercício das suas funções, com respeito aos seguintes princípios:

·       O princípio da prossecução do interesse público (art. 266º nº1 CRP e art. 4º, 1ª parte do CPA), que vincula a A.P. a prosseguir o interesse público, tal como definido na CRP e objeto de concretização pela lei, através da identificação dos contornos da necessidade coletiva a satisfazer, da decisão da sua satisfação por processos coletivos e da definição dos termos mediante os quais tal satisfação deve processar-se.
Este princípio constitui um dos mais importantes limites da margem de livre decisão administrativa, assumindo um duplo alcance: por um lado, a A.P. só pode prosseguir o interesse público, estando proibida de prosseguir o interesse privado e, por outro, só pode prosseguir os interesses públicos especificadamente definidos por lei para cada concreta atuação administrativa normativamente habilitada, derivado do princípio da legalidade (art. 266º, nº2 CRP e art. 3º CPA). Caso não se verifique este duplo alcance, a atuação administrativa é ilegal e está viciada de desvio de poder. 
Num momento anterior ao da atuação administrativa, este princípio delimita as atribuições de cada p.c. administrativa, delimitando a competência dos seus órgãos. A prossecução do interesse público por 1 órgão diferente do órgão competente traduz um vício de incompetência.  
Este princípio reveste-se de um elevado grau de indeterminação, pelo que a administração goza de uma ampla margem de livre decisão quanto à forma de agir da sua prossecução. 
O poder jurisdicional pode anular um ato administrativo que não contemple o duplo alcance deste princípio, mas nunca pode anulá-lo com fundamento no mérito desse ato ou decisão administrativa.  

  ·          O princípio do respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares (art. 266º nº1 CRP e art. 4º, 2ª parte do CPA), que proíbe a afetação das posições jurídicas subjetivas dos particulares, levada a cabo com desrespeito pelos parâmetros de juridicidade da atuação administrativa. Logo, não são admissíveis afetações que não estejam legalmente habilitadas (reserva de lei), ou aquelas que contrariem o bloco de legalidade (preferência de lei). Este princípio corresponde à dimensão subjetiva do princípio da legalidade. 

·       O princípio da proporcionalidade (art. 266º nº2 da CRP e art. 7º nº2 CPA), na medida em que as decisões tomadas pelos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público.

Este princípio tem ainda diversas concretizações específicas nos artigos 18º nº2 e 19º nº4 da CRP e no artigo 3º nº2 do CPA, desdobrando-se em 3 dimensões, não cumulativas, pois cada uma delas envolve necessariamente as demais:
- Adequação: proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;
- Necessidade (ou proibição de excesso): proíbe a adoção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir, impondo que dos diversos meios adequados, seja escolhido o menos lesivo para os interesses públicos ou privados envolvidos;
- Razoabilidade (ou proporcionalidade em sentido restrito): proíbe que os custos da atuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim, sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização.
A rejeição de qualquer uma das três dimensões envolve a rejeição global da proporcionalidade. Apesar do art. 7º do CPA ter um alcance meramente subjetivo, por força do art. 266º nº2 da CRP, ele assume igualmente uma dimensão objetiva, valendo assim para todas as decisões administrativas e podendo ser invocado para invalidar condutas administrativas por lesão de interesses públicos, quer aquelas condutas tenham projeção meramente interna, quer delas derivem inclusivamente vantagens para particulares.

·       O Princípio da imparcialidade (art. 266º nº2 CRP e art. 9º do CPA), sendo a imparcialidade entendida como o comando de tomada em consideração e ponderação, por parte da administração, dos interesses públicos e privados relevantes para cada atuação concreta. Comporta duas dimensões: uma negativa, que proíbe a administração de, a propósito de uma caso concreto, tomar em consideração e ponderar interesses públicos ou privados que, à luz do fim legal a seguir, sejam irrelevantes para a decisão e outra positiva que impõe que, previamente à decisão de um caso concreto, a administração tome em consideração e pondere todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam relevantes para a decisão.
Sendo de difícil prova o incumprimento deste princípio, os artigos 69º a 76º do CPA estabelecem garantias de imparcialidade que implicam o impedimento de titulares de órgãos e de agentes na sua participação em determinados procedimentos administrativos e na formulação das respetivas decisões. O art. 69º nº1 refere-se a situações de grande proximidade entre o titular do órgão ou o agente administrativo e os interesses privados em jogo no procedimento. Assim, o impedimento é absoluto, o que significa que não é necessária qualquer declaração constitutiva, funcionando automaticamente a partir do momento em que ocorram os factos determinadores da sua verificação (como resulta da sua conjugação com os art. 70º nº1 e 71º nº1 CPA). O titular do órgão ou agente fica impedido de praticar qualquer ato no âmbito do procedimento em causa (art. 69º nº1 CPA). Caso o faça, os atos administrativos são ilegais e anuláveis (art. 76º nº1 CPA).
Já o art. 73º diz respeito a situações que suscitam dúvidas acerca da isenção do concreto titular de órgão ou agente administrativo, sendo a sua proximidade em relação aos interesses privados menor. Envolvem, assim, uma proibição relativa de intervenção do titular do órgão ou do agente no procedimento, sendo uma situação de impedimento relativo, em que o titular do órgão ou o agente continua em exercício até à decisão da questão do impedimento, sendo que a declaração do impedimento tem caráter constitutivo (art. 75º nº 3 CPA).  

·       O princípio da igualdade (art. 266º nº2 e 13º da CRP e art. 6º do CPA) encontra as suas raízes no conceito aristotélico de justiça distributiva e corresponde à formulação de que as situações iguais entre si devem ser tratadas de maneira igual e as situações diferentes entre si devem ser tratadas de forma diferente.
Este princípio proíbe a discriminação de tratamento das situações iguais como desiguais e as desiguais como iguais, obrigando na primeira situação o dever de agir (tratar de igual forma) e o dever de não agir na segunda situação.  
  
·       O princípio da boa-fé (art. 266º nº2 da CRP e art. 10º CPA) vincula quer a AP quer os particulares nas relações entre si, sendo concretizada por dois subprincípios: 
 - O princípio da primazia da materialidade subjacente, consagrado no art. 10º, nº2 do CPA, exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efetivos, não se satisfazendo com resultados que embora visem atingir esse resultado, não o concretizem totalmente. Proíbe o exercício de posições jurídicas de modo desequilibrado ou o aproveitamento de uma ilegalidade cometida, pelo próprio prevaricador, de modo a prejudicar outrem, tendo relevância enquanto parâmetro da conduta dos particulares no seu relacionamento com a administração; 
- O princípio da tutela da Confiança, que pressupõe a verificação das seguintes situações: a atuação de um sujeito de direito que crie a confiança quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adoção de outra conduta; uma situação de confiança justificada do destinatário da atuação de outrem, ou seja, uma convicção do destinatário de que o sujeito jurídico vai atuar; a efetivação de um investimento de confiança, ou seja, o desenvolvimento de ações ou omissões; o nexo de causalidade entre a atuação geradora de confiança e o investimento de confiança e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou. 
A violação da tutela da confiança gera apenas responsabilidade civil, servindo fundamentalmente como limite da margem de livre decisão administrativa, podendo bloquear a adoção de uma conduta administrativa incompatível com a confiança suscitada ou obrigar a administração a adotar uma conduta legitimamente esperada.

·       O princípio da justiça (art. 266º nº 2 da CRP e art. 8º do CPA) defende que a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, rejeitando, para esse efeito, as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito.
A justiça identifica-se com o conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico, sendo objeto de consagração constitucional.
Sendo a fonte dos demais princípios, só deve considerar-se violado nas situações cuja qualificação como injustas é suscetível de alcançar um consenso intersubjetivo (situação de injustiça manifesta e ostensiva). 

Bibliografia:
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ª edição,
Almedina, Coimbra, 2011;
- MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo
Geral», D. Quixote, Lisboa - tomo I, «Introdução e Princípios Fundamentais».


Anabela Franco, nº 24819

1 comentário:

  1. Como referido e bem, acrescentemos que os principios plasmados nos artigos 266.º e 267º da CRP, hoje, encontram eco, no artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
    Principios estes que foram vertidos, e bem, na opinião de alguma doutrina, na opinião de outra, desnecessariamente na medida em que replicam o já plasmado seja na CRP seja no direito da UE, no NCPA.
    Convem, refererir, acompanhando o professor Bacelar Gouveia, os Tratados da União Europeia, são poucos os que os conhecem e menos aqueles que os estudam, a Constituição, quase todos já ouvimos falar dela, mas, aqui, um maior numero, já a estudou, assim, pelo menos no NCPA, a enunciaçao expressa dos principios, conduzirá a que muitos, face à realidade da nossa Administração Pública, pelos menos saibam que eles existem.
    Neste sentido, o NCPA congrega em si a mais valia de cuidar de fazer chegar à AP (art. 2º n.º 4 do NCPA) e aos demais sujeitos da relação juridico procedimental (art. 65º) o conhecimento. agregado, de um conjunto de Principios que deve pautar a relação entre ambos.

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