No presente texto, procuraremos traçar o quadro histórico
– sistemático que conduziu o legislador a incluir no novo CPA (artigo 168º n.º
7) a previsão da anulação de acto administrativo julgado valido por sentença
transitada em Julgado, proferida por um Tribunal Administrativo.
Posteriormente analisaremos a consagração plasmada do
artigo 168º n.7 do NCPA e bem assim alguma da jurisprudência mais recente
emanada do TJUE.
Do Fenómeno da Europeização do Direito Administrativo
Português
Refere, Fausto Quadros, op cit, pp 387, que foi o professor Marcello Caetano quem
primeiramente, no longínquo ano de 1967, abordou, escrevendo, sobre o “Direito
Administrativo Europeu”.
Mas, foi sobretudo a partir de 1993, com a criação, pelo
Tratado de Maastricht, da União Europeia e do ensejo de a aprofundar, que, por
via, quer dos Tratados, quer sobretudo da Jurisprudência emanada do, hoje,
Tribunal de Justiça da União - TJUE, na densificação
de um conjunto de princípios (sejam o da aplicabilidade direta, do efeito
direto e o do primado) que sustentam a
força emanadora do Direito da União, aumentou a pressão deste sobre os direitos nacionais no sentido da
adaptação destes àquele e concomitantemente da sua penetração nos sistemas jurídicos
estaduais (Fausto Quadros; op cit).
Neste sentido foi-se percorrendo um caminho assente no
Dever Comunitário dos Estados e dos seus poderes de aplicar o Direito
Comunitário (hoje da União) e, acrescente-se, das decisões, e sua execução,
provenientes da Instituições Comunitárias, mormente no plano Administrativo.
Sendo certo que aos Estados Membros (EM’s) é reconhecido o
direito à sua autonomia procedimento e processual, este não pode constituir, no
dizer do TJ, razão para que o EM não respeite, cumprindo, as suas obrigações
que são uma consequência da cooperação Leal dos EM’s para com a União (Cfr, acórdão
Simmenthal, proc 106/77).
Resulta por conseguinte, que o Direito Administrativo
Nacional (nos seus vários ramos: Financeiro, Económico, da concorrência, das
autarquias locais, da educação, do ordenamento do território, ….) encontra-se, desde
profundamente influenciado e porque não dize-lo, moderado, pelo, se me é
permitido afirmar, direito administrativo da União.
Aqui chegados, perguntamo-nos de que modo o Direito
Administrativo da União se reflete, sobre o particular vértice do Procedimento
Administrativo ?
Na análise desta questão, implica que prima facie, se teçam algumas
considerações sobre, nomeadamente o principio da Cooperação, antes vertido no
artigo 10º do TCE, e hoje, parcialmente) positivado no artigo 4º n.º 3 do
Tratado da União Europeia (TEU) sob a designação de principio da cooperação
leal.
Em virtude do princípio
da cooperação leal, a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se
mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.
Os Estados-Membros tomam
todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das
obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições
da União.
Os Estados-Membros
facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida
susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União.
Não olvidando que nos termos do artigo 8º n.º 4 da CRP, o direito produzido pelas instituições
europeias, com respeito pelas suas atribuições e princípios orientadores, vale
na nossa ordem jurídica. Prevalecendo o direito da União sobre as normas do
direito interno (Cfr, Gomes, Ana, op cit).
Da conjugação destas duas realidades, a par com a decisão
do emanada do TJCE, actual TJUE,no processo Simmenthal, onde à luz do principio
do primado do Direito Comunitário, se impõem a obrigatoriedade dos EM’s agirem
em consonância com o Direito Comunitário, mesmo que este se apresente contrário
ao nacional, ou ainda não tenha por aqueles sido objeto de execução.
Perante este desiderato legal e jurisprudencial, e no
tocante aos actos administrativos nacionais, se a Administração de um EM emana
um acto administrativo, ainda que constitutivo de direitos para o particular,
mas se se apresente contrário a uma norma da União ou a uma decisão
administrativa de uma Instituição da União, deve esse acto ser, na terminologia
à data, objecto de revogação, hoje, à luz do novo CPA, artigo 168º n.º 7, anulado.
Questão lateral - Sendo
o acto administrativo anulado por violação/não respeito, por parte do EM do
Direito da União, mas em respeito pelo disposto no Direito nacional, existe o
dever de ressarcimento do particular?
Sobre esta temática relembremos que o TJ, desde o acórdão
Francovich (proc. C-6/90), que o principio segundo os Estados Membros são
obrigados a ressarcir os danos causados aos particulares por violação do
direito comunitário que lhes são imputáveis é igualmente aplicavel quando a
violação em causa resulte de um órgão jurisprudencial decidindo em última
instância, desde que a norma de direito comunitário violada se destina a
conferir direitos aos particulares; Sendo a teoria da responsabilidade do
Estado Membro, por violação da obrigação de facere ou non facere, aprofundada
desenvolvida e extendida (aos actos do órgãos jurisdicionais) no caso Kobler.
Jurisprudência que encontrou consagração legal no atual artigo 172º n.º 3 e 4
do Novo Código do Procedimento Administrativo (NCPA).
Sintetizaremos seguida alguma construção jurisprudencial
do TJ, que maior impacto tiveram na manifestação vinculativa do efeito do
Primado do Direito Administrativo da EU sob os Direitos Administrativos dos EM’s,
mormente em sede de procedimento administrativo, na esfera dos actos
administrativos nacionais que executam o Direito da União.
Partindo do caso concreto – Caso Alcan (processo
C-24/95).
Resumindo, o governo do Land (simplificando, governo
regional) Alemão concedeu em 1983 um auxilio de 8 milhões à Alcan detentora de
uma fabrica de alumínios, para a auxiliar, fruto do aumento do preço da
eletricidade, e evitar o despedimento de algumas dezenas de funcionários.
Em dezembro de 83, a Comissão a coberto do poder, que lhe
emana do disposto no artigo 88º TCE (atual artigo 108º do TFUE), de fiscalizar
a concessão de auxílios de Estado previsto no artigo 87. (atual artigo 107º do
TFUE), considerou este auxilio ilegal, á luz do direito comunitário ordenando a
recuperação do mesmo. Não tendo o auxilio sido restituído, por inércia do
Governo do Land, a Comissão intenta uma ação por incumprimento contra a
Alemanha.
Tendo o TJ condenado a Alemanha por incumprimento da
decisão da Comissão. Em 1989, sendo outro o governo do Land, foi revogada a
decisão da atribuição do auxilio.
A Alcan recorre e o tribunal nacional, tendo por base o
CPA alemão, considerou que havendo decorrido mais de um ano sobre a decisão de
atribuição do auxilio, expirou o prazo para a sua revogação. O Governo do Land oferece
recurso para instância superior, tendo esta
submetido ao TJ três questões prejudiciais, que em sumula: podem ou não
as decisões administrativas nacionais ser revogadas, ainda que contrariando o
direito nacional alemão que dita a proteção dos direitos dos cidadãos, quando
de boa-fé?
Resulta do acórdão do TJ que a autoridade nacional
competente está obrigada por força do direito comunitário a revogar a decisão
da concessão de um auxilio ilegalmente atribuído, em conformidade com uma decisão
definitiva da Comissão que declarou esse auxilio incompatível e exige a sua
recuperação. Considerando ainda o
Tribunal que a Alcan não poderia ter tido uma confiança legítima na
regularidade da concessão do auxílio porquanto a mesma não foi informada à
Comissão.
Entende, assim o TJ, que mesmo que a lei nacional, visasse
à luz do princípio da segurança e certeza jurídica, por via da fixação de um
limite temporal, limitar a possibilidade de revogação de um acto administrativo
a autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar
a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com
uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a
sua recuperação, mesmo quando o direito nacional a exclui em razão da extinção
do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio.
Num outro
arresto do TJ caso MILCHKONTOR, precisou que ainda que a revogação dos actos de
concessão de auxílios estatais se deva fazer à luz do direito nacional dos EM’s,
estes não podem servir-se de práticas ou situações da sua ordem jurídica
interna para não justificar o não respeito das suas obrigações, isto é, de
respeitar o direito da U E e garantir a sua plena eficácia.
Compendiando
alguma jurisprudência do STA, observa-se que durante vários anos e de forma
consistente, se pronunciou no sentido de negar a revogação de actos
administrativos para além do prazo de um ano sobre a data do acto de concessão
(Gomes, Ana, Op. cit), em consonância com o regime da revogação dos actos
administrativos plasmado no CPA no regime da revogação do acto administrativo.
Concluíndo
A luz dos
acórdãos referidos, passou a caber aos EM’s europeizarem-se e alterar, necessariamente,
o regime de revogação dos actos administrativos, conformando os seus códigos do
procedimento, com o Direito da EU e a sua jurisprudência.
Cremos,
supra, ter percorrido e ajudado o leitor a apreender das razões de facto e de direito, da
alteração do regime do Instituto da Revogação, no novo CPA, e na introdução de
algumas disposições (mormente no artigo 168.
N.º 7) que possam parecer, aos
menos conhecedores do Direito da União, ou aos mais acérrimos, fundamentalistas,
interpretes da texto constitucional, inconstitucionais.
GOMES, Ana Santa, “ A Revogação dos
Actos Administrativos dos Estados Membros com base na violação do direito da
União Europeia”, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2007, T.4799;
LANCEIRO, Rui Tavares, “ O dever de anulação do artigo 168º n.º 7 do Novo
CPA e a Jurisprudência Kuhne & Heitz, in Estudos de homenagem ao Doutor Rui
Machete, [em linha, http://www.icjp.pt/content/o-dever-de-anulacao-do-artigo-168o-no-7-do-novo-cpa-e-jurisprudencia-kuhne-heitz;
2015]
QUADROS, Fausto, “ A Europeização do Contencioso Administrativo”, in
Estudos de homenagem ao Professor Marcelo Caetano, Vol. 1, Coimbra Editora,
2006, pp 385-405;
Tratado UE e TFUE
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