Uma das principais novidades no
novo CPA foi a introdução da figura da “anulação administrativa”. Apesar da
inovação, na realidade trata-se de uma renomeação do termo “revogação” que no
anterior CPA se desdobrava em duas modalidades: a revogação de atos válidos
(revogação-abrogação) e a revogação de atos inválidos (revogação-anulação)
previstas nos artigos 140º e 141º do CPA de 1991. Para o primeiro caso o nome
de revogação mantém-se, no entanto, o segundo denomina-se agora de anulação
administrativa. Na fronteira dos dois regimes encontramos diferentes pressupostos.
Conforme esclarece o artigo 165º (CPA15), a revogação é um ato secundário que
pretende fazer cessar os efeitos de um ato antecedente “por razões de mérito,
conveniência ou oportunidade”. Já a anulação administrativa, também ele um ato
secundário, aplica-se para destruir “os efeitos de outro ato, com fundamento em
invalidade”.
Pressupostos da Anulação Administrativa
Concentrando-nos agora na figura da
anulação administrativa percebemos que são então necessários dois pressupostos
para a sua aplicação: a existência de um outro ato e que este seja inválido. No
entanto, ressalva o artigo 166º, são exceção a esta consequência os atos nulos,
os atos anulados contenciosamente e os atos revogados com eficácia retroativa.
Portanto, só os atos que não se encontram previstos no artigo 161º e que ainda se
mantenham em vigor são passíveis de anulação administrativa para ver cessar os
seus efeitos, desde que considerados ilegais. Acrescente-se que o novo CPA
indica ainda outros atos que, apesar de considerados ilegais e ainda em vigor,
poderão escapar à anulação administrativa. De acordo com o artigo 163º, n.º 5, “não
se produz efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser
outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto
permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”; quando “o fim
visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado
por outra via”; ou quando “se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem
o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”.
Ora, alguma doutrina tem já se
insurgido contra esta exceção, tendo o Professor Vasco Pereira da Silva afirmado
que aquela exceção não pode ser aplicada a normas que atribuam direitos
fundamentais ou direitos substantivos aos particulares, por não serem passíveis
de ser dispensados.
O Regime da Anulação Administrativa
Retomando à anulação
administrativa, o novo CPA define os prazos para o ato poder ser anulado (168º),
quem pode tomar a iniciativa e qual a competência (169º), qual a sua forma e
formalidades (170º), os seus efeitos (171º) e consequências (172º).
1.
Prazos
Preconizando um regime
diferente em relação à figura da revogação, a anulação administrativa poderá ser
aplicada nos seguintes prazos, dependendo das circunstâncias:
a.
“Seis meses a contar da data do conhecimento
pelo órgão competente da causa da invalidade, ou, nos casos de invalidade
resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos
casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.
b.
Um ano quando estejam em causa atos
constitutivos de direitos, podendo ser objeto de anulação administrativa no
prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão, nas situações
determinadas no artigo 168º, n.º 4, alíneas de a) a c), excetuando prazo
diferente estipulado por lei ou direito da União Europeia.
2.
Iniciativa
e Competência
Tal como acontece na revogação, a anulação administrativa pode
ser desencadeada por iniciativa dos órgãos competentes ou a pedido dos interessados,
mediante reclamação ou recurso administrativo.
No que diz respeito à competência, o novo CPA consagrou o que
a jurisprudência e a doutrina já vinham defendendo, com exclusão do Professor
Freitas do Amaral. Esclarecendo, para além do órgão que praticou o ato e o
respetivo superior hierárquico; o órgão delegante ou subdelegante, bem como
pelo delegado ou subdelegado; os órgãos com poderes de superintendência ou
tutela; o novo CPA acrescentou que também os órgãos competentes para a prática
do ato podem revogar ou anular os atos praticados por órgão incompetente.
3.
Forma
e Formalidades
Aplica-se o princípio de equiparação e de paridade de forma entre
os dois atos, ou seja, o ato de anulação deverá revestir a mesma forma
legalmente prevista para o ato anulado.
Quanto às formalidades apenas são exigidas aquelas que se
mostrem indispensáveis à garantia do interesse público ou dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos interessados.
O mesmo se aplica no caso de revogação.
4.
Efeitos
A regra geral para a
anulação administrativa é a se produzem efeitos retroativos. No entanto, o
autor da anulação pode optar por atribuir eficácia apenas para o futuro, nos
casos em que o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional. Para
além desta consideração, a anulação administrativa irá produzir ainda efeitos
repristinatórios, sendo que nos casos em que estejamos perante a anulação de um
ato revogatório, o efeito repristinatório só não opera se a lei ou o ato de
anulação assim o determinarem.
De acrescentar que, no
caso de revogação, a regra geral dita que apenas produz efeitos para o futuro,
salvo se o autor da revogação quiser atribuir-lhe eficácia retroativa, por
acordo dos interessados ou por lhes ser mais favorável, desde que não estejamos
perante direitos ou interesses indisponíveis. Quanto à repristinação esta só se
produz se a lei ou ato de anulação assim o determinar. Quer nos efeitos, quer
na repristinação da revogação, assistimos assim a um regime inverso ao da anulação,
ainda que exigente.
5.
Consequências
Com a anulação administrativa
pretende-se que seja reposta a situação que existiria se o ato anulado não
tivesse sido praticado, incluindo dar cumprimento aos deveres que tenham
deixado de se constituir.
Assim, a Administração
poderá ficar no dever de praticar atos com efeitos retroativos desde que não
envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de
sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos. A
Administração tem ainda o dever de anular, reformar ou substituir os atos,
independentemente do prazo; para além de estar sujeita a alterar as situações
de facto entretanto constituídas, que sejam incompatíveis com o regresso à
anterior situação.
Face ao exposto
anteriormente, o novo CPA previu ainda que poderá ainda ser aplicada a
alteração e substituição dos atos administrativos de acordo com o regime aplicado
para a figura da revogação, sendo que no que diz respeito à substituição esta
irá fazer sanar os efeitos produzidos pelo ato, assim como os atos
subsequentes. No entanto, essa renovação não poderá prejudicar a possibilidade
de anulação dos efeitos lesivos produzidos durante o período de tempo que
procedeu a substituição do ato, se estivermos perante a imposição de deveres,
encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos
ou interesses legalmente protegidos.
Escrito por: Sónia Patrícia Moreira Fernandes (23994)
BIBLIOGRAFIA
GOMES, Carla Amado; NEVES, Ana Fernanda Neves e
SERRÃO, Tiago, Coordenação, “Comentários ao Novo Código do Procedimento
Administrativo”, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2015
FONSECA, Rui Guerra da, Organização, “Código do
Procedimento Administrativo, Versão Comparada 1991-2015”, Associação Académica
da Faculdade de Direito de Lisboa, 2015
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