terça-feira, 26 de maio de 2015

A Anulação Administrativa



Uma das principais novidades no novo CPA foi a introdução da figura da “anulação administrativa”. Apesar da inovação, na realidade trata-se de uma renomeação do termo “revogação” que no anterior CPA se desdobrava em duas modalidades: a revogação de atos válidos (revogação-abrogação) e a revogação de atos inválidos (revogação-anulação) previstas nos artigos 140º e 141º do CPA de 1991. Para o primeiro caso o nome de revogação mantém-se, no entanto, o segundo denomina-se agora de anulação administrativa. Na fronteira dos dois regimes encontramos diferentes pressupostos. Conforme esclarece o artigo 165º (CPA15), a revogação é um ato secundário que pretende fazer cessar os efeitos de um ato antecedente “por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”. Já a anulação administrativa, também ele um ato secundário, aplica-se para destruir “os efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”.

Pressupostos da Anulação Administrativa
Concentrando-nos agora na figura da anulação administrativa percebemos que são então necessários dois pressupostos para a sua aplicação: a existência de um outro ato e que este seja inválido. No entanto, ressalva o artigo 166º, são exceção a esta consequência os atos nulos, os atos anulados contenciosamente e os atos revogados com eficácia retroativa. Portanto, só os atos que não se encontram previstos no artigo 161º e que ainda se mantenham em vigor são passíveis de anulação administrativa para ver cessar os seus efeitos, desde que considerados ilegais. Acrescente-se que o novo CPA indica ainda outros atos que, apesar de considerados ilegais e ainda em vigor, poderão escapar à anulação administrativa. De acordo com o artigo 163º, n.º 5, “não se produz efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”; quando “o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via”; ou quando “se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”.
Ora, alguma doutrina tem já se insurgido contra esta exceção, tendo o Professor Vasco Pereira da Silva afirmado que aquela exceção não pode ser aplicada a normas que atribuam direitos fundamentais ou direitos substantivos aos particulares, por não serem passíveis de ser dispensados.

O Regime da Anulação Administrativa
Retomando à anulação administrativa, o novo CPA define os prazos para o ato poder ser anulado (168º), quem pode tomar a iniciativa e qual a competência (169º), qual a sua forma e formalidades (170º), os seus efeitos (171º) e consequências (172º).

1.              Prazos
Preconizando um regime diferente em relação à figura da revogação, a anulação administrativa poderá ser aplicada nos seguintes prazos, dependendo das circunstâncias:
a.             “Seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa da invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.
b.             Um ano quando estejam em causa atos constitutivos de direitos, podendo ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão, nas situações determinadas no artigo 168º, n.º 4, alíneas de a) a c), excetuando prazo diferente estipulado por lei ou direito da União Europeia.

2.              Iniciativa e Competência
Tal como acontece na revogação, a anulação administrativa pode ser desencadeada por iniciativa dos órgãos competentes ou a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo.
No que diz respeito à competência, o novo CPA consagrou o que a jurisprudência e a doutrina já vinham defendendo, com exclusão do Professor Freitas do Amaral. Esclarecendo, para além do órgão que praticou o ato e o respetivo superior hierárquico; o órgão delegante ou subdelegante, bem como pelo delegado ou subdelegado; os órgãos com poderes de superintendência ou tutela; o novo CPA acrescentou que também os órgãos competentes para a prática do ato podem revogar ou anular os atos praticados por órgão incompetente.

3.              Forma e Formalidades
Aplica-se o princípio de equiparação e de paridade de forma entre os dois atos, ou seja, o ato de anulação deverá revestir a mesma forma legalmente prevista para o ato anulado.
Quanto às formalidades apenas são exigidas aquelas que se mostrem indispensáveis à garantia do interesse público ou dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados.
O mesmo se aplica no caso de revogação.

4.              Efeitos
A regra geral para a anulação administrativa é a se produzem efeitos retroativos. No entanto, o autor da anulação pode optar por atribuir eficácia apenas para o futuro, nos casos em que o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional. Para além desta consideração, a anulação administrativa irá produzir ainda efeitos repristinatórios, sendo que nos casos em que estejamos perante a anulação de um ato revogatório, o efeito repristinatório só não opera se a lei ou o ato de anulação assim o determinarem.
De acrescentar que, no caso de revogação, a regra geral dita que apenas produz efeitos para o futuro, salvo se o autor da revogação quiser atribuir-lhe eficácia retroativa, por acordo dos interessados ou por lhes ser mais favorável, desde que não estejamos perante direitos ou interesses indisponíveis. Quanto à repristinação esta só se produz se a lei ou ato de anulação assim o determinar. Quer nos efeitos, quer na repristinação da revogação, assistimos assim a um regime inverso ao da anulação, ainda que exigente.

5.              Consequências
Com a anulação administrativa pretende-se que seja reposta a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, incluindo dar cumprimento aos deveres que tenham deixado de se constituir.
Assim, a Administração poderá ficar no dever de praticar atos com efeitos retroativos desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos. A Administração tem ainda o dever de anular, reformar ou substituir os atos, independentemente do prazo; para além de estar sujeita a alterar as situações de facto entretanto constituídas, que sejam incompatíveis com o regresso à anterior situação.
Face ao exposto anteriormente, o novo CPA previu ainda que poderá ainda ser aplicada a alteração e substituição dos atos administrativos de acordo com o regime aplicado para a figura da revogação, sendo que no que diz respeito à substituição esta irá fazer sanar os efeitos produzidos pelo ato, assim como os atos subsequentes. No entanto, essa renovação não poderá prejudicar a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos produzidos durante o período de tempo que procedeu a substituição do ato, se estivermos perante a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.

Escrito por: Sónia Patrícia Moreira Fernandes (23994)



BIBLIOGRAFIA
GOMES, Carla Amado; NEVES, Ana Fernanda Neves e SERRÃO, Tiago, Coordenação, “Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo”, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2015

FONSECA, Rui Guerra da, Organização, “Código do Procedimento Administrativo, Versão Comparada 1991-2015”, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2015

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