Ato
administrativo
O ato administrativo como quase todo o
direito administrativo clássico é um conceito de origem francesa, de algum modo
aperfeiçoado pelos alemães. Freitas do Amaral [1]refere que a primeira
menção ao acte administratif (ato administrativo) é feita em França por Merlin em 1810, acrescentando também
que em 1826 os doutrinadores alemães já trabalhavam o tema. É por isso um dos
conceitos mais antigos e permanentes do Direito Administrativo, que como se
sabe surge essencialmente como fruto da racionalização da atividade do Estado
ocasionada pela Revolução Francesa e subsequente “normalização” napoleónica. O
ato e o direito administrativo confundem-se.
O início da concetualização do ato não
foi fruto de uma elaboração doutrinal teleologicamente orientada, mas um
reflexo concreto das vicissitudes da França revolucionária. Na realidade, num
primeiro tempo o ato serviu para retirar a sindicância judicial a atividades do
executivo. Pensava-se que os tribunais judiciais franceses eram monárquicos e
conservadores e travariam a revolução, pelo que era necessário criar atos que
não fossem “travados” por esses tribunais[2]. E assim surge o ato
administrativo, no fundo como ato da revolução e promotor do seu progresso.
Mais tarde, no referido aburguesamento
da revolução realizado por Napoleão é que o ato administrativo surge com uma
segunda função: a definição das atividades da Administração pública submetida
ao controlo dos tribunais administrativos (ainda que não aos judiciais). O ato
administrativo é assim uma construção histórica resultado das atribulações da
Revolução Francesa, que não conhece paralelo, designadamente nos países
anglo-saxónicos[3].
Então, desde cedo que o ato
administrativo contém esta tensão entre atividade do Estado e garantia dos
particulares, apresentando-se como a cápsula em que estas duas estruturas se
digladiam.
Atualmente, a lei portuguesa define
ato administrativo no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo
considerando “atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa
situação individual e concreta”. Esta definição é diferente daquela que
vigorava legalmente desde 1991, no artigo 120.º do CPA e que se referia a ato
administrativo como “as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de
normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta”. Paulo Otero[4] é especialmente crítico
desta nova definição do conceito de ato administrativo considerando-a
manifestamente inconstitucional ao só considerar os atos administrativos
externos e afastar, aparentemente, de qualquer disciplina legal os atos
administrativos internos.
Ora já se viu que o conceito de ato
administrativo foi criado com uma dupla função que contém, como disciplinador e
demarcador da atividade do executivo e como garante dos particulares e nessa
medida não se pode esquecer uma dessas vertentes. De repente, com uma penada,
não se pode “deslegalizar” a atividade interna da administração.
O ato administrativo poderá então ser
resumido como um ato jurídico unilateral praticado por um órgão de
Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de
efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto[5].
[1] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo.Vol.II, 2.ªed.Almedina,Coimbra,2013,p.231.
[2] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Direito….p. 232.
[3] HILAIRE
BARNETT, Constitutional and Administrative Law.Cavendish,London,1998, onde não
se encontra qualquer referência a ato administrativo. Talvez o conceito mais
próximo seja pragmático e se denomine Justiciability-
definido como aquilo que os juízes pensam que pode ser sujeito a Judicial review.p.912.
[4] PAULO
OTERO, Problemas constitucionais do novo Código do Procedimento
Administrativo-uma introdução in Comentários ao Novo Código do Procedimento
Administrativo, CARLA AMADO GOMES/ANA FERNANDA NEVES/TIAGO SERRÃO
(coord.),Lisboa,AAFDL,2015,p.15-34.
[5] FREITAS
DO AMARAL, Direito…p.239 refere esta definição, ainda no âmbito do anterior
artigo 120.º, criticando no entanto alguns afastamentos jurisprudenciais deste
entendimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário