quinta-feira, 14 de maio de 2015

Ato administrativo

         
          O ato administrativo como quase todo o direito administrativo clássico é um conceito de origem francesa, de algum modo aperfeiçoado pelos alemães. Freitas do Amaral [1]refere que a primeira menção ao acte administratif (ato administrativo) é feita em França por Merlin em 1810, acrescentando também que em 1826 os doutrinadores alemães já trabalhavam o tema. É por isso um dos conceitos mais antigos e permanentes do Direito Administrativo, que como se sabe surge essencialmente como fruto da racionalização da atividade do Estado ocasionada pela Revolução Francesa e subsequente “normalização” napoleónica. O ato e o direito administrativo confundem-se.

          O início da concetualização do ato não foi fruto de uma elaboração doutrinal teleologicamente orientada, mas um reflexo concreto das vicissitudes da França revolucionária. Na realidade, num primeiro tempo o ato serviu para retirar a sindicância judicial a atividades do executivo. Pensava-se que os tribunais judiciais franceses eram monárquicos e conservadores e travariam a revolução, pelo que era necessário criar atos que não fossem “travados” por esses tribunais[2]. E assim surge o ato administrativo, no fundo como ato da revolução e promotor do seu progresso.

          Mais tarde, no referido aburguesamento da revolução realizado por Napoleão é que o ato administrativo surge com uma segunda função: a definição das atividades da Administração pública submetida ao controlo dos tribunais administrativos (ainda que não aos judiciais). O ato administrativo é assim uma construção histórica resultado das atribulações da Revolução Francesa, que não conhece paralelo, designadamente nos países anglo-saxónicos[3].

          Então, desde cedo que o ato administrativo contém esta tensão entre atividade do Estado e garantia dos particulares, apresentando-se como a cápsula em que estas duas estruturas se digladiam.

          Atualmente, a lei portuguesa define ato administrativo no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo considerando “atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Esta definição é diferente daquela que vigorava legalmente desde 1991, no artigo 120.º do CPA e que se referia a ato administrativo como “as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Paulo Otero[4] é especialmente crítico desta nova definição do conceito de ato administrativo considerando-a manifestamente inconstitucional ao só considerar os atos administrativos externos e afastar, aparentemente, de qualquer disciplina legal os atos administrativos internos.

          Ora já se viu que o conceito de ato administrativo foi criado com uma dupla função que contém, como disciplinador e demarcador da atividade do executivo e como garante dos particulares e nessa medida não se pode esquecer uma dessas vertentes. De repente, com uma penada, não se pode “deslegalizar” a atividade interna da administração.

          O ato administrativo poderá então ser resumido como um ato jurídico unilateral praticado por um órgão de Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto[5].



Paulino Almeida Morais
Aluno 24694



 BIBLIOGRAFIA



[1] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo.Vol.II, 2.ªed.Almedina,Coimbra,2013,p.231.
[2] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito….p. 232.
[3] HILAIRE BARNETT, Constitutional and Administrative Law.Cavendish,London,1998, onde não se encontra qualquer referência a ato administrativo. Talvez o conceito mais próximo seja pragmático e se denomine Justiciability- definido como aquilo que os juízes pensam que pode ser sujeito a Judicial review.p.912.
[4] PAULO OTERO, Problemas constitucionais do novo Código do Procedimento Administrativo-uma introdução in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, CARLA AMADO GOMES/ANA FERNANDA NEVES/TIAGO SERRÃO (coord.),Lisboa,AAFDL,2015,p.15-34.
[5] FREITAS DO AMARAL, Direito…p.239 refere esta definição, ainda no âmbito do anterior artigo 120.º, criticando no entanto alguns afastamentos jurisprudenciais deste entendimento.

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