terça-feira, 26 de maio de 2015

Do regulamento:  auto-exequibilidade da norma legal que estabelece a audiência dos interessados

Noção procedimental quanto ao regulamento administrativo(CPA de 7 Janeiro de 2015):

   O procedimento da actividade administrativa em geral, que vai do artigo 53º a 96º CPA, aplica-se também aos regulamentos. Embora a lei nada diga a esse respeito, as disposições constantes no artigo 97º e ss CPA, aplicam-se somente a regulamentos com eficácia externa. O procedimento do regulamento tem quatro fases: a iniciativa; fase de preparação do projecto de regulamento; fase da participação dos interessados; fase de conclusão. o procedimento regulamentar é de iniciativa privada através de a apresentação de petições (artigo 97 CPA). O órgão com competência regulamentar deve informar os interessados de qual o destino que deu à petição de deve apresentar os fundamentos da posição adoptada (artigo 97º CPA). A fase de preparação do projecto é uma fase que não encontra na lei total vinculação, esta não regula todos os seus trâmites. Durante esta fase a administração pode ouvir órgãos e serviços públicos que serão encarregues da sua aplicação, pode solicitar pareceres e pode também ouvir os destinatários a quem o regulamento se reporta (artigo 98º CPA). Aqui nesta fase essa audição é quanto à iniciativa, o que é diferente da pronuncia quanto ao projecto de regulamento que foi elaborado, essa será em sede de audiência dos interessados para efeito do artigo 100 CPA. O artigo 99º do CPA impõe um dever de fundamentação que deve constar no projecto de regulamento. Na fase da participação dos interessados essa mesma participação pode acontecer por audiência (artigo 100º CPA) ou por consulta pública (101º CPA). A lei estabelece que é obrigatória a audição  nos procedimentos que visem a adopção de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários (artigo 100º nº1). Esta audição pode ser dispensada se se verificar o preenchimento de qualquer uma das alíneas do nº3 do artigo 100. Quanto à consulta pública, visa apurar a opinião não só dos interessados , mas também de qualquer pessoa, acerca do projecto de regulamento. Esta não é exigida quando a natureza da matéria o não permita (artigo 101 nº1 CPA). Quanto à fase de conclusão, o modo normal é o da aprovação do regulamento, mas pode suceder que o procedimento termine por outra causa que não a aprovação (por exemplo, pode terminar com a arquivo das petições que deram inicio ao procedimento).

   A participação constitui um elemento fundamental da compreensão do próprio Estado de Direito, a ideia do princípio democrático, onde os cidadãos são chamados a participar nas decisões públicas como forma de democratizar a administração. A constituição acolhe-o no artigo 276º nº1.
   No antigo CPA a audiência dos interessados seria uma norma legal não auto-exequível, a audiência dos interessados no procedimento regulamentar seria portanto uma formalidade de realização meramente discricionário, não gerando, a sua omissão qualquer ilegalidade do regulamento que venha a ser aprovado. Esta é precisamente a jurisprudência que o Supremo Tribunal administrativo proferiu no Acórdão 2/7/2002, processo 0519/02. O tribunal entendeu quanto à audiência dos interessados e dever de fundamentação soluções opostas. Quanto à audiência dos interessados (artigo 100º no “novo” CPA e 117º do CPA de 1991), o tribunal entendeu não se tratar de uma norma automaticamente exequível porque da letra resulta que, quando esta diz “nos termos a definir em legislação própria”, tem de haver uma norma que regule especificamente trâmites a seguir quanto à audiência (norma essa que nunca foi aprovada), essa norma deveria provir de um regulamento, por isso, a preterição desta formalidade essencial, como não existe tal norma regulamentar, não sofre nenhum vício de invalidade. Diferentemente decidiu o tribunal quanto ao dever de fundamentação (artigo 99º do novo CPA,  artigo 116º do CPA de 1991), aqui o tribunal atribui à norma constante do  então CPA uma obrigatoriedade, por ser uma norma legal automaticamente exequível, de em todos os projectos de regulamento quando submetidos a aprovação serem acompanhados de fundamentação que os justifique.
Com a entrada em vigor do CPA de 7 Janeiro de 2015, a questão de se saber se a norma legal que consagra a audiência dos interessados é auto-exequível já não se coloca. Hoje o artigo 100º nº1 disciplina automaticamente a audiência dos interessados, já não remete para legislação especial, como fazia o “antigo” CPA, o regime específico da participação dos interessados e dos representantes, e como tal, já não faz qualquer sentido hoje em dia não se considerar obrigatória esta formalidade essencial sobre o pretexto de a mesma não ser exequível automaticamente pela norma do CPA. No nosso entender a sua preterição por razões diversas das que constam no nº3 do artigo 100º CPA, gera uma invalidade.

Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, André Salgado; Direito Administrativo Geral-actividade administrativa, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2006;


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