sábado, 30 de maio de 2015

Discricionariedade e Interpretação de conceitos indeterminados


A discricionariedade, entendida no seu sentido estrito, é a margem de livre decisão nos programas condicionais que resulta da insuficiência da norma que habilita a decisão. Esta falta de determinação normativa de soluções pode ser um resultado de uma abertura na estatuição, quando se verifique uma criatividade conferida ao decisor na densificação dos efeitos jurídicos possíveis, ou de uma abertura de previsão, que ocorre através da insuficiência dos pressupostos hipotéticos dos quais depende a causalidade jurídica da norma.
A abertura da norma vai determinar a tarefa do decisor. A configuração do efeito jurídico ou a escolha entre alternativas já presentes impõe a captação dos factos materialmente identificados com a norma, e a criação do dispositivo decisório é deste modo remetida para uma avaliação concreta do conflito de interesses, que se verifica no contexto específico da decisão. Esta tarefa do decisor passa, portanto, pelo preenchimento hipotético da previsão normativa, para a criação de uma decisão concreta.
Um problema complexo, que tem sido bastante discutido pela doutrina, é saber a relação entre a discricionariedade e a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados.
Os chamados conceitos legais indeterminados abundam em todos os ramos de direito. Porém os conceitos indeterminados surgem com maior frequência no direito administrativo, este fenómeno deve-se sobretudo à natureza das funções da Administração. 
Conceitos indeterminados são aqueles cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos ou, noutra solução, que não permitem uma comunicação clara quanto ao seu conteúdo. A sua utilização pelo legislador é frequente quer por razoes de margem de livre apreciação de certas situações que a lei tem que deixar a quem as conhece, quer por razoes de mudança das concepções sociais e das alterações da vida trazidas pela sociedade técnica que a lei precisa de se adaptar. Os conceitos indeterminados apresentam-se ao legislador como um instrumento privilegiado para a atribuição de certo tipo de competências às autoridades administrativas para que estas possam reagir a tempo e de modo adequado.
Com o aparecimento dos conceitos indeterminados surgiu a questão de saber se eles atribuem à autoridade administrativa discricionariedade, um espaço de livre apreciação, ou um poder vinculado. Esta questão trouxe consigo muitas outras, o que se deve entender por conceitos legais indeterminados? Qual o melhor critério para distinguir conceitos determinados dos conceitos indeterminados? Qual a legitimação constitucional dos chamados conceitos discricionários?
A doutrina dos conceitos legais indeterminados surgiu no seculo XIX, em Áustria, com a questão de saber se os conceitos indeterminados empregues pelo legislador eram ou não susceptíveis de serem controlados pelos tribunais administrativos.
Ao longo de toda a história do discurso relativo à discricionariedade, sempre esteve presente uma das leituras iniciais da questão a necessidade de controlo da actividade administrativa na maior medida possível.
A partir desta perspectiva, a avaliação dos conceitos indeterminados no conceito da discricionariedade administrativa vai levar ao total fechamento da indeterminação do conceito. Esta vertente da dogmática dos conceitos indeterminados suporta a ideia de que os conceitos indeterminados não são uma forma de atribuição de discricionariedade e que da existência de conceitos na previsão normativa não deriva uma margem ou liberdade decisória.
Em suma, as conexões subjacentes estruturam-se com bases nas causalidades que determinam que, tratando-se de um problema de natureza interpretativa, existe um caracter de revisão, e havendo esse caracter de revisão, não há discricionariedade.
Não parece ser aceitável a premissa de base que sustenta que o problema dos conceitos indeterminados se restringe à operação de interpretação.
Outra vertente de discussão em torno dos conceitos indeterminados é a que problematiza a individualização desses conceitos através de elementos estruturais próprios, susceptíveis de os identificar como diferentes dos conceitos determinados.
Neste enquadramento isola-se um conjunto de conceitos imprecisos, mas apenas os conceitos imprecisos que remetem para figuras jurídicas de limites elásticos, concedem discricionariedade, pois estes não apontam para uma classe ou grupo, mas para um tipo difuso de situações da vida.
É também na tentativa de individualizar o conjunto de conceitos dos quais resulta que o elemento diferenciador dos conceitos indeterminados está na remissão para juízos de prognose. Os conceitos que atribuem uma margem de livre decisão são apenas aqueles que remetem para a determinação da evolução futura ou processos sociais. E assim conceitos indeterminados e discricionariedade consubstanciam formas de atribuição de uma margem de livre decisão, com regime idêntico, mas distinguem-se porque, ao contrário da discricionariedade, que remete para uma opção entre interesses concorrentes, os conceitos indeterminados implicam juízos de prognose.
Após a descodificação do enunciado linguístico, é possível constatar, em abstracto, que existe uma margem de certeza positiva, aquela onde não existem dúvidas sobre a aplicação do conceito e uma margem de certeza negativa, onde também não existem dúvidas sobre a inaplicabilidade do conceito. Ao meio encontra-se a margem de incerteza, que pode ser maior ou menor na variação do conceito em causa. E assim, tendencialmente, os conceitos indeterminados são aqueles que contêm uma alargada margem de incerteza. É a margem de incerteza que confere discricionariedade ao decisor, dado que é nesse espaço que se podem configurar as alternativas abstractas. A partir do momento em que na unidade aplicativa do conceito se encontram alternativas, então a norma contem uma margem de livre decisão.
A discricionariedade que existe nas alternativas decisórias provenientes da relação entre a margem de incerteza e a materialidade verificável na unidade aplicativa do conceito remete para identidade qualitativa entre os conceitos indeterminados e qualquer uma das restantes técnicas de atribuição de uma margem de livre decisão. Esta identidade tem como consequência que o problema da sindicabilidade seja colocado nos termos gerais, onde, não estando em causa interpretação do conceito, a revisibilidade da sua aplicação será exequível na justa medida da incidência dos diversos limites internos da discricionariedade. A selecção dos interesses e a sua ponderação cuja diversidade é testada pela existência de mais do que uma alternativa, esta sujeita ao controlo susceptível de ser efectuada através dos princípios, sendo essa a medida de sindicabilidade da aplicação do conceito.


Joana Guilherme
N 24918

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