A discricionariedade, entendida no seu sentido estrito, é a margem de
livre decisão nos programas condicionais que resulta da insuficiência da norma
que habilita a decisão. Esta falta de determinação normativa de soluções pode
ser um resultado de uma abertura na estatuição, quando se verifique uma
criatividade conferida ao decisor na densificação dos efeitos jurídicos possíveis,
ou de uma abertura de previsão, que ocorre através da insuficiência dos
pressupostos hipotéticos dos quais depende a causalidade jurídica da norma.
A abertura da norma vai determinar a tarefa do decisor. A configuração do
efeito jurídico ou a escolha entre alternativas já presentes impõe a captação dos
factos materialmente identificados com a norma, e a criação do dispositivo decisório
é deste modo remetida para uma avaliação concreta do conflito de interesses,
que se verifica no contexto específico da decisão. Esta tarefa do decisor
passa, portanto, pelo preenchimento hipotético da previsão normativa, para a criação
de uma decisão concreta.
Um problema complexo, que tem sido bastante discutido pela doutrina, é
saber a relação entre a discricionariedade e a interpretação de conceitos
jurídicos indeterminados.
Os chamados conceitos legais indeterminados abundam em todos os ramos de
direito. Porém os conceitos indeterminados surgem com maior frequência no
direito administrativo, este fenómeno deve-se sobretudo à natureza das funções
da Administração.
Conceitos indeterminados são aqueles cujo conteúdo e extensão são em
larga medida incertos ou, noutra solução, que não permitem uma comunicação
clara quanto ao seu conteúdo. A sua utilização pelo legislador é frequente quer
por razoes de margem de livre apreciação de certas situações que a lei tem que
deixar a quem as conhece, quer por razoes de mudança das concepções sociais e
das alterações da vida trazidas pela sociedade técnica que a lei precisa de se
adaptar. Os conceitos indeterminados apresentam-se ao legislador como um
instrumento privilegiado para a atribuição de certo tipo de competências às
autoridades administrativas para que estas possam reagir a tempo e de modo
adequado.
Com o aparecimento dos conceitos indeterminados surgiu a questão de saber
se eles atribuem à autoridade administrativa discricionariedade, um espaço de
livre apreciação, ou um poder vinculado. Esta questão trouxe consigo muitas
outras, o que se deve entender por conceitos legais indeterminados? Qual o
melhor critério para distinguir conceitos determinados dos conceitos indeterminados?
Qual a legitimação constitucional dos chamados conceitos discricionários?
A doutrina dos conceitos legais indeterminados surgiu no seculo XIX, em
Áustria, com a questão de saber se os conceitos indeterminados empregues pelo
legislador eram ou não susceptíveis de serem controlados pelos tribunais administrativos.
Ao longo de toda a história do discurso relativo à discricionariedade,
sempre esteve presente uma das leituras iniciais da questão a necessidade de
controlo da actividade administrativa na maior medida possível.
A partir desta perspectiva, a avaliação dos conceitos indeterminados no
conceito da discricionariedade administrativa vai levar ao total fechamento da indeterminação
do conceito. Esta vertente da dogmática dos conceitos indeterminados suporta a
ideia de que os conceitos indeterminados não são uma forma de atribuição de
discricionariedade e que da existência de conceitos na previsão normativa não deriva
uma margem ou liberdade decisória.
Em suma, as conexões subjacentes estruturam-se com bases nas causalidades
que determinam que, tratando-se de um problema de natureza interpretativa,
existe um caracter de revisão, e havendo esse caracter de revisão, não há discricionariedade.
Não parece ser aceitável a premissa de base que sustenta que o problema
dos conceitos indeterminados se restringe à operação de interpretação.
Outra vertente de discussão em torno dos conceitos indeterminados é a que
problematiza a individualização desses conceitos através de elementos estruturais
próprios, susceptíveis de os identificar como diferentes dos conceitos
determinados.
Neste enquadramento isola-se um conjunto de conceitos imprecisos, mas
apenas os conceitos imprecisos que remetem para figuras jurídicas de limites elásticos,
concedem discricionariedade, pois estes não apontam para uma classe ou grupo,
mas para um tipo difuso de situações da vida.
É também na tentativa de individualizar o conjunto de conceitos dos quais
resulta que o elemento diferenciador dos conceitos indeterminados está na remissão
para juízos de prognose. Os conceitos que atribuem uma margem de livre decisão são
apenas aqueles que remetem para a determinação da evolução futura ou processos
sociais. E assim conceitos indeterminados e discricionariedade consubstanciam
formas de atribuição de uma margem de livre decisão, com regime idêntico, mas
distinguem-se porque, ao contrário da discricionariedade, que remete para uma opção
entre interesses concorrentes, os conceitos indeterminados implicam juízos de
prognose.
Após a descodificação do enunciado linguístico, é possível constatar, em
abstracto, que existe uma margem de certeza positiva, aquela onde não existem dúvidas
sobre a aplicação do conceito e uma margem de certeza negativa, onde também não
existem dúvidas sobre a inaplicabilidade do conceito. Ao meio encontra-se a
margem de incerteza, que pode ser maior ou menor na variação do conceito em
causa. E assim, tendencialmente, os conceitos indeterminados são aqueles que
contêm uma alargada margem de incerteza. É a margem de incerteza que confere
discricionariedade ao decisor, dado que é nesse espaço que se podem configurar
as alternativas abstractas. A partir do momento em que na unidade aplicativa do
conceito se encontram alternativas, então a norma contem uma margem de livre decisão.
A discricionariedade que existe nas alternativas decisórias provenientes
da relação entre a margem de incerteza e a materialidade verificável na unidade
aplicativa do conceito remete para identidade qualitativa entre os conceitos indeterminados
e qualquer uma das restantes técnicas de atribuição de uma margem de livre decisão.
Esta identidade tem como consequência que o problema da sindicabilidade seja
colocado nos termos gerais, onde, não estando em causa interpretação do conceito,
a revisibilidade da sua aplicação será exequível na justa medida da incidência dos
diversos limites internos da discricionariedade. A selecção dos interesses e a sua
ponderação cuja diversidade é testada pela existência de mais do que uma alternativa,
esta sujeita ao controlo susceptível de ser efectuada através dos princípios,
sendo essa a medida de sindicabilidade da aplicação do conceito.
Sem comentários:
Enviar um comentário